Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

#39 A INFÂNCIA: Meninice abreviada

Sobrecarregadas de atividades impostas pelos pais, as crianças têm se transformado em miniadultos. As consequências são alarmantes. A saída é brincar

Por João Batista Jr. Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 21 set 2018, 07h00 - Publicado em 21 set 2018, 07h00
RECREIO – A diversão faz parte de um desenvolvimento saudável e já é “prescrita” pela pediatria (Istock/Getty Images)

“Na sociedade medieval, a consciência da particularidade infantil, que distingue essencialmente a criança do adulto, não existia”, atesta o historiador francês Phillipe Ariès no clássico História Social da Criança e da Família (1960). Assim, a ideia de infância se constituía pelo negativo, por aquilo que a criança (ainda) não era ou não fazia — basta lembrar que o próprio termo “infância” vem da expressão latina “infans”, que significa “aquele que não fala”. Até a Idade Média, tão logo o infante adquiria condições “de viver sem a solicitude de sua mãe ou de sua ama, ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais deles”, explica Ariès. A criança não passava, então, de um adulto em miniatura.

Foi somente na Idade Moderna que essa visão começou a ser modificada. O culto da “inocência infantil” e uma atenção maior à saúde da criança, verificados nos séculos XVII e XVIII, tiveram papel fundamental em tal transformação — consolidada nos séculos XIX e XX, com os avanços da psicologia do desenvolvimento e da psicanálise, que consagrariam o entendimento de que a criança tem, sim, particularidades que a distinguem essencialmente do adulto. Esse conceito persistiu por décadas. Ultimamente, porém, a noção de miniadulto voltou a assombrar a infância. O motivo: a enxurrada de atividades extracurriculares imposta à garotada.

“Meninos e meninas têm agora uma rotina tão corrida que parecem CEOs de multinacionais”, diz a educadora Tania Zagury. O excesso de obrigações é uma determinação dos pais, que querem preparar melhor os filhos. As consequências podem ser danosas. Hoje, chama atenção o número de crianças que tomam medicação à base de cloridrato de metilfenidato — como a Ritalina —, uma substância estimulante. Em geral, a droga é prescrita quando os pequenos apresentam dificuldade de concentração. Contudo, distração e impaciência são notadas com maior frequência em meninas e meninos obrigados a fazer algo que não lhes interessa — uma atividade extracurricular, por exemplo. “Há uma confusão entre a hiperatividade, que pode ser um distúrbio, e o fato de a criança ser apenas sapeca”, diz Tania Zagury.

Continua após a publicidade

Nesse cenário, que mistura esforço, angústia e gastos financeiros, “os adultos esquecem que a brin­cadeira faz parte da formação de uma pessoa saudável”, constata a psicanalista Ada Morgenstern, do Instituto Sedes Sapientiae. Eis a razão pela qual, recentemente, a Sociedade Americana de Pediatria recomendou aos médicos prescrever — sim, prescrever! — brincadeiras. Na hora da diversão, a presença dos pais é bem-vinda — desde que seja para valer. “Não adianta ficar com a garotada dando likes no Instagram das amigas”, observa a psicóloga mineira Beatriz Velloso, mãe dos gêmeos Lucas e Pedro, de 3 anos e meio. É preciso ser adulto e criança para não criar, de novo, gerações de miniadultos.

Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

O Brasil está mudando. O tempo todo.

Acompanhe por VEJA.

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.