Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

#3 AS IDEOLOGIAS: Gangorra de ideias

Quando se pensou que esquerda e direita eram passado, a disputa política renasceu. Assim gira o mundo e assim continuará girando 

Por Gabriel Castro Atualizado em 21 set 2018, 07h00 - Publicado em 21 set 2018, 07h00
Estética saudosista - Desfile na Coreia do Norte, o país mais exótico e ininteligível do planeta: modelo para ninguém (Ed Jones/AFP)

Desde que a Revolução Francesa ofereceu ao mundo os termos “esquerda” e “direita”, que em sua origem distinguiam os que defendiam os ideais revolucionários dos que apoiavam o rei, a gangorra ideológica já subiu e desceu, voltou a subir e descer — e continua a subir e descer. Nas últimas cinco décadas, a ideologia política traçou um voo ambicioso ao dividir o mundo entre esquerda e direita. Pode-se dizer que na Guerra Fria as cabeças de direita eram americanas, as de esquerda eram soviéticas e quem estivesse entre uma e outra era europeu. No maniqueísmo próprio daqueles tempos, no Brasil a direita era associada à ditadura e a esquerda, a todos os que estavam do outro lado — dos democratas genuínos aos falsos democratas.

A gangorra moveu-se depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, e começou-se a especular que talvez não existissem mais direita nem esquerda. Francis Fukuyama, em O Fim da História e o Último Homem (1992), previu o triunfo definitivo da democracia liberal e da economia de mercado. No Brasil, a esquerda, orgulhosa de seu passado contra a ditadura, afirmava sua existência, enquanto a direita, envergonhada pela aliança com os militares, dizia que não fazia mais sentido trabalhar com as categorias ideológicas clássicas.

Mais uma vez a gangorra se mexeu, Fukuyama foi desmentido e o mundo retomou o embate entre direita e esquerda. Hoje, com a China disputando a hegemonia mundial com os Estados Unidos, a divisão ideológica voltou, mas sem a antiga clareza. A China é comunista na hora de sufocar ideias políticas e capitalista quando se trata de encher os bolsos. No Brasil, depois do desastre ético do PT, o quadro inverteu-se: a direita, que antes não ousava dizer seu nome, veio à tona novamente. A esquerda se retraiu.

A gangorra voltará a se movimentar? “Há razões para crer que os seres humanos precisam e vão continuar precisando das características que são associadas com esquerda e direita”, afirma John Jost, da Universidade de Nova York, no ensaio “O fim do fim da ideologia” (2006). Antonio José Barbosa, historiador da Universidade de Brasília, diz que o mundo não testemunhou a morte das ideologias, e sim a morte das ideologias do passado, como o comunismo e o fascismo. “De alguma forma, o confronto ideológico se refaz em novas bases, com novas características, mas se refaz.”

Continua após a publicidade

Ainda há, embora cada vez menos, nações que se dizem comunistas, como Cuba, que vem fazendo a seu modo uma abertura lenta, gradual e segura, e a Coreia do Norte, o mais exótico e ininteligível lugar do planeta. No entanto, nenhum desses países serve de modelo ou inspiração a quem quer que seja. Ao mesmo tempo, o mundo não deixou de travar o embate ideológico em outras frentes: aborto, imigração, casamento gay e até democracia, regime que antes parecia ser um consenso ocidental e agora exibe rachaduras.

“A capacidade de inventar maneiras de viver, que são as ideologias, aproxima-se do infinito”, diz o antropólogo Roberto DaMatta. Ele registra que os conceitos de esquerda e direita, embora voláteis, continuarão balizando o debate político. “Em qualquer comunidade humana vão existir esquerda e direita. Sempre vai haver disputa entre aquilo que achamos que deve permanecer e aquilo que achamos que deve mudar.” Para o antropólogo, sem utopia a própria vida perderia sentido. “Para o bem e para o mal, as ideologias persistem, mesmo que em processo permanente de transformação.”

Publicado em VEJA de 26 de setembro de 2018, edição nº 2601

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.