‘Nós’: o diretor de ‘Corra!’ faz de novo, faz mais e faz ainda melhor
Acompanhe o 'Em Cartaz' dessa semana com a colunista de VEJA Isabela Boscov
‘Nós’ é só o segundo longa de Jordan Peele, mas já não tenho nenhuma dúvida de que aí está um diretor que a) sabe o que quer e b) sabe o que faz. Mal a luz da sala de cinema se apaga e o espectador já está no meio de um mal-estar danado, uma tensão que ele nem sabe dizer de onde vem, porque a cena é banal: uma menina perambulando com os pais por um parque de diversões, à noite. A menina se perde; vê algo aterrorizante – tão traumático, na verdade, que, décadas depois, de volta à mesma cidade praiana com o marido e o casal de filhos, ela não consegue parar de pensar no passado, e enxerga coincidências e premonições em tudo.
O espectador concorda que ela deve ter razão, porque o mal-estar continua: na praia, no sol, no meio da conversa e da brincadeira, ele pressente junto com Adelaide (Lupita Nyong’o) que vem algo feio por aí. E vem: à noite, uma família se posta na entrada da casa, imóvel – duplos de Adelaide e sua família. E aí Jordan Peele pega essa ideia terrível, a de alguém idêntico a você porém pérfido, cruel e animalesco, e sai correndo com ela em tantas direções, e desdobrando-a em tantas outras ideias, que eu prometo: no fim de tudo, você vai querer começar a ver de novo, só para ter a satisfação de perceber mais detalhes (há pistas, citações e símbolos em quantidade suficiente para divertir até um viciado em charadas) e apreciar novamente esse feito de bravura cinematográfica que é ‘Nós’.
Caminhando na divisa entre o terror e o suspense, e apoiando seu estilo impecável em um comentário social muito perspicaz e atilado, Jordan Peele avança aqui como cineasta até o patamar de – não estou brincando – um Alfred Hitchcock. O próximo passo de Peele? Uma refeitura de ‘Além da Imaginação’ para a CBS, com uma leva inicial de dez episódios – começando agora, em 1º de abril. Eu, pessoalmente, estou em contagem regressiva.