Em 1968, no catálogo de uma exposição em Estocolmo, na Suécia, o artista plástico americano Andy Warhol cunhou uma de suas mais conhecidas máximas: “Um dia, todos terão quinze minutos de fama”. O futuro chegou e a celebridade efêmera a que se referia Warhol já caiu para quinze segundos, se tanto. Em tempo de TikTok, não se autoriza muito mais do que isso na fabricação de famosos instantâneos, nascidos de pequenos vídeos, quase sempre atrelados a uma trilha sonora e invariavelmente tolos. A plataforma digital da empresa ByteDance, lançada na China em 2016, tem hoje uma média mensal de 1 bilhão de usuários, o que a instala na sexta posição entre as redes sociais mais populares. O Brasil, como sempre nesse âmbito, contribui com 74,1 milhões de pessoas viciadas na ferramenta, em terceiro lugar no ranking planetário, atrás apenas de Estados Unidos e Indonésia. O modo impressionante como o aplicativo, aparentemente inocente, se espalhou, especialmente entre os mais jovens, acendeu um sinal de alerta internacional. Seria um cavalo de Troia chinês para coletar dados e usá-los a favor do regime de Pequim?
No recém-lançado TikTok Boom (Intrínseca), o jornalista britânico Chris Stokel-Walker conta a história dessa ascensão e navega sobre o medo de que os chineses estejam coletando informações pessoais como biometria facial, localização, conteúdo de mensagens e interação com propagandas. E pior: com intenções escusas. Embora representantes da ByteDance jurem não abrir a caixa de Pandora, há informações que os contradizem. Um levantamento da agência URL Genius mostra que o aplicativo compartilha arquivos com treze outras empresas em média. YouTube, Twitter e Telegram também aparecem na lista. “É crucial reconhecer que o debate sobre o uso de dados pelo TikTok se enquadra em um contexto mais amplo, de preocupações sobre a ascensão da China e, em particular, o uso de sua tecnologia no Ocidente”, escreve Stokel-Walker. “De acordo com o pensamento ocidental, se um único aplicativo pode ganhar tanta influência entre centenas e milhões de cidadãos, o que poderia vir em seguida?”
Já há reação. No fim do ano passado, o órgão regulador de comunicações da União Europeia começou a investigar como o TikTok faz a gestão de dados pessoais de crianças e os transferem à China. Mais recentemente, a corte britânica autorizou o prosseguimento de um processo iniciado por uma menina de 12 anos que busca indenização em nome de milhões de jovens pelo suposto mau uso de dados por parte da plataforma. Nos Estados Unidos, o aplicativo deu sinais de que fechará um acordo de 1,1 milhão de dólares por coletar dados de menores de idade sem a autorização dos pais.
Alguns especialistas, contudo, pedem cautela. “Acho precipitado rotular uma rede social como mais perigosa que as demais”, disse a VEJA Bruno Bioni, pesquisador de proteção de dados e diretor-fundador da Data Privacy Brasil. “É preciso aprofundar as investigações.” E não se trata, reafirme-se, de apontar o dedo apenas para o TikTok. Outras empresas andam na mesma estrada. “Somos hipócritas, porque ninguém lê os termos de uso e política de privacidade, vamos aceitando e pronto”, diz Bruno Lima Fernandes, professor de marketing digital da Fundação Dom Cabral. Convém lembrar, contudo, que a distração ou leniência do cidadão não pode representar aval para crimes digitais.
Estima-se que vazamentos de dados causem prejuízos anuais de 1 trilhão de dólares à economia mundial. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de 2018, tenta proteger o usuário em diversas situações. A lei assegura ao titular dos dados a anonimização ou eliminação de coletas desnecessárias ou excessivas. Por ser uma lei geral, tem aplicação extraterritorial, ou seja, é válida para qualquer companhia que lide com dados coletados em território brasileiro. No entanto, ainda é preciso que surjam políticas públicas capazes de reforçar investimentos em áreas críticas. O caminho, dizem os especialistas, é forçar cada vez mais a transparência e alimentar uma rede global de proteção de dados. Caso contrário, estaremos todos em perigo. E aqueles quinze minutos de fama podem virar quinze anos de problemas.
Publicado em VEJA de 13 de abril de 2022, edição nº 2784