Foram 42 anos muito bem vividos, que abarcaram os altos e baixos da vida nacional e, principalmente, as transformações do mercado automobilístico brasileiro. Após três gerações e mais de 8 milhões de unidades vendidas, o Gol vai sair de cena distante do conceito de carro popular do qual foi por muito tempo símbolo. Em sua trajetória, o compacto da Volkswagen não apenas substituiu o icônico Fusca, objetivo original do projeto da montadora, como superou o Uno, da Fiat, e o Chevette, da Chevrolet, na preferência dos brasileiros. Com as sucessivas inovações tecnológicas dos concorrentes e as mudanças na legislação automotiva, muitas delas motivadas por segurança, o modelo, contudo, acabou se tornando inadequado aos dias de hoje. Agora, prepara-se para se despedir do mercado.
Oriundo do projeto BX, de meados dos anos 1970, o Gol teve como inspiração o Scirocco europeu. Suas primeiras edições eram dotadas de motor refrigerado a ar, uma herança do barulhento Fusquinha. Depois do lançamento, em 1980, os propulsores foram adaptados e modificados para mitigar — aliás, sem muito sucesso — problemas sonoros, de vibração, desempenho e economia de combustível. Até que, em 1986, seriam substituídos pela geração AP, sigla para alta performance, que foi revolucionária e ajudou a sedimentar a marca na posição de protagonista em um nicho restrito a poucos fabricantes. O modelo só começaria a sentir o peso dos anos a partir de 2013, quando chegou uma nova geração de veículos, com o HB20, da Hyundai, o Onix, da Chevrolet, e o Etios, da Toyota.
Historicamente, a prevalência do Gol não teve paralelo na indústria nacional. Sua popularidade sempre o credenciou como plataforma de lançamento de novas tecnologias. Em 1984, o Gol GT foi um dos primeiros carros do mercado com motor 1.8. Cinco anos mais tarde, o GTi debutaria a injeção eletrônica fabricada no país. No início dos anos 2000, o Gol TotalFlex passou a ser o primeiro veículo com motor flex, adaptado para rodar tanto com álcool quanto com gasolina. As inovações, porém, não foram suficientes para garantir ao carro a perenidade que a Volkswagen esperava.
O ciclo do Gol chegou ao fim por uma série de razões. Entre elas, destaca-se a incapacidade de modernizar o desenho antigo e mantê-lo competitivo do ponto de vista de produto, de atualização tecnológica e de custos. “Há um momento, então, que é preciso fazer a substituição, assim como ocorre em todos os outros modelos, que têm vida útil definida”, afirma Flavio Padovan, que já foi vice-presidente da Volkswagen e atualmente trabalha como analista da área. “Como se trata de uma marca forte, é muito provável que a Volks volte com ela em um novo produto e um novo segmento”, aposta Cassio Pagliarini, consultor da Bright Consulting.
Antes de tirar os pneus da estrada, o modelo ainda ganhou uma última encarnação — o Gol Last Edition, que será vendido apenas na cor vermelha e com detalhes em preto, é uma edição limitada a 1 000 unidades, das quais 650 serão destinadas ao mercado interno e 350 à América Latina. Uma delas, a de número 42, foi vendida por meio do leilão de um NFT (non-fungible token, na sigla em inglês) e atingiu o surpreendente valor de 154 000 reais. O canto do cisne do modelo teve direito ainda a uma barulhenta campanha publicitária de inspiração futebolística, estrelada por um jogador aposentado, o ex-centroavante Fred, e uma atleta em ascensão, a atacante Gio Queiroz. A metáfora não poderia ser mais coerente: assim como eles, o carro da Volks marcou um gol de placa na história da indústria automotiva brasileira.
Publicado em VEJA de 21 de dezembro de 2022, edição nº 2820