Os usuários do metrô de Moscou, que passam de 9 milhões por dia, não precisam mais fazer fila para comprar bilhetes. Um novo sistema, lançado em 240 estações da capital russa, não necessita de dinheiro, cartão ou smartphone. “Basta olhar para a câmera para passar pelas catracas”, disse o prefeito de Moscou, Sergey Sobyanin, em um tuíte na noite anterior à estreia do primeiro sistema de reconhecimento facial em grande escala do mundo, o Face Pay. Para acioná-lo, os passageiros só têm de cadastrar fotos, um cartão do banco e sua versão do bilhete único em um aplicativo. A modernidade, disponível também em países como China, Estados Unidos, Espanha, Israel e Nigéria, chega agora ao Brasil com mais força.
As empresas brasileiras já tinham a biometria facial no seu radar. Em 2017, a Renner, por meio de sua financeira Realize CFI, foi uma das primeiras a usá-la, mas de forma mais restrita, como a concessão de crédito. Começou testando a tecnologia em 58 de suas unidades, no Rio de Janeiro, em São Paulo e Porto Alegre. Em março do ano seguinte, implantou-a nas suas 330 lojas. Em 2020, mais um avanço: o cliente não precisava mais tirar a máscara para ser reconhecido. Recentemente, outros negócios no país adotaram o sistema, agora para completar pagamentos na boca do caixa. A rede de supermercados D’Ville, de Uberlândia, e o grupo varejista Muffato, com sede em Cascavel e lojas nos estados do Paraná e São Paulo, foram alguns deles.
Uma das vantagens do reconhecimento facial é diminuir o contato com máquinas de cartão e outros equipamentos, uma característica de valor em tempos de distanciamento social. É simples: o usuário baixa um aplicativo, cadastra um cartão de crédito ou débito e tira alguns autorretratos. Ao ser escaneado, o rosto do cliente é reconhecido pelo sistema e o crédito feito na conta da empresa. O mecanismo, garantem os programadores, diferencia uma pessoa real de uma foto ou vídeo, o que diminui significativamente a possibilidade de fraudes. “Essa tecnologia já está presente no nosso dia a dia, em aplicativos de bancos e no desbloqueio de smartphones”, afirma Eládio Isoppo, CEO da Payface, que fornece o serviço. “O pagamento é só uma variação dela.”
Há outros usos possíveis. Pouco tempo atrás, o gigante chinês Tencent anunciou que utilizaria o reconhecimento facial para impedir que menores de idade joguem videogame até de madrugada. Em São Paulo, o Aeroporto de Congonhas começou a testar câmeras de biometria facial para facilitar a comprovação de identidade dos passageiros e agilizar o embarque. Uma questão permanece no ar: a privacidade. Como garantir que os dados e imagens armazenados pelos estabelecimentos não sejam compartilhados com terceiros? Há menos de um mês, a Meta, a holding do Facebook, divulgou que acabaria com o recurso em suas plataformas para assegurar aos usuários de suas redes sociais que as imagens arquivadas não corram risco de ser acessadas externamente. A empresa tem sido alvo de críticas por parte de ex-funcionários e do governo americano.
De fato, há questões sensíveis em jogo. Em Moscou, as autoridades locais instalaram uma rede com cerca de 175 000 câmeras de vigilância com capacidade para reconhecer o rosto das pessoas. Ativistas de direitos humanos disseram que o sistema foi usado tanto para identificar opositores do governo de Vladimir Putin quanto para garantir que a população cumprisse o confinamento a que a cidade foi submetida na primavera de 2020.
Os especialistas alertam sobre o fato de que é fundamental que as empresas ajam de modo transparente em relação ao funcionamento da tecnologia e o armazenamento de informações. Só assim a pessoa que for pagar a conta se sentirá protegida e segura para mostrar a cara diante do equipamento. Resolvida essa questão, o uso do reconhecimento facial representa a modernização de um processo que vem passando por transformações intensas nos últimos. Isso é ótimo para a parte mais interessada na história: o consumidor.
Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2021, edição nº 2764