Lançado em outubro de 2010, o Instagram é, por excelência, a rede social de compartilhamento de fotos e vídeos. Com um detalhe: desde o início, o Insta — como costuma ser chamado no universo digital — mantém filtros que permitem ao usuário trabalhar em cima das imagens. A princípio, eles se limitavam a melhorar o contraste e simular a aparência de fotografias antigas. Com o tempo, foram se sofisticando, até chegar a modelos capazes de oferecer verdadeiras operações plásticas virtuais.
Lábios carnudos, nariz afilado, olhos de uma cor enebriante — com poucos toques surge na tela um rosto lindo, perfeito. O problema: trata-se de uma perfeição que beira o irreal. Não por coincidência, no caso das mulheres, a beleza proporcionada pelos filtros se aproxima da que é ostentada pelas integrantes do clã Kardashian — na vida real, devidamente esculpidas por bisturis. Kim, a mais badalada das beldades da família, tem no Instagram nada menos que 161 milhões de seguidores.
Um estudo realizado pela Academia Americana de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva Facial revelou que 55% dos cirurgiões atenderam pacientes que clamavam por ajustes em suas feições inspirados em fotos do Instagram. Pior: em 2018, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins descobriram que as pessoas estavam levando as próprias selfies filtradas como referência para possíveis procedimentos plásticos, a fim de transformar o virtual em real — num claro sinal de baixa autoestima.
As evidências não poderiam ser mais claras: os filtros não estavam fazendo nada bem aos usuários, ainda que fossem tratados como mera brincadeira. Alarmado, o Instagram decidiu banir o recurso que permitia as alterações mais radicais. O anúncio foi feito por meio de uma plataforma de realidade atrelada ao Insta, a Spark AR. As estatísticas são estrondosas: 1 bilhão de pessoas haviam usado filtros de transformação de rosto apenas no último ano. Essas alterações, que podiam variar de um brilho a mais nas bochechas a uma arrebitada no nariz, também incentivaram os usuários a experimentar distorções no formato do crânio e na cor da pele. Os filtros mais polêmicos eram o FixMe e o Plastica, pois permitiam simulações exageradas — incluindo hematomas comumente resultantes de cirurgias plásticas.
O banimento dos filtros ocorre em meio ao debate sobre a relação entre as mídias sociais, a aparência física e a saúde psicológica dos usuários. Pesquisas recentes apontaram o surgimento da “dismorfia do Snapchat” — termo que se baseia no nome da rede concorrente do Instagram —, descrevendo como tais efeitos visuais conseguem afetar a percepção sobre o próprio corpo de quem os utiliza. A conclusão é que as selfies modificadas poderiam estar “obscurecendo a linha entre a realidade e a fantasia”, fazendo com que alguns indivíduos ficassem hiperfixados em falhas físicas irrelevantes e com aversão a uma aparência não padronizada. Um trabalho publicado no Journal of the American Medical Association mostrou que o uso de filtros faciais está associado a uma inclinação maior para se submeter a cirurgias plásticas.
Nesse cenário, as principais vítimas são os mais jovens, com idade inferior a 20 anos. Um estudo de 2019, nos EUA, registrou um aumento de 72% nas visitas aos centros de cirurgia plástica por pacientes com idade inferior a 30 anos. A influência das redes sobre eles é inegável. O fator agravante é que, na juventude, o córtex pré-frontal — a área do cérebro responsável pelo controle das ações impensadas — ainda não está inteiramente desenvolvido. Isso significa que esse público pode se prestar a uma modificação corporal sem avaliar sua real necessidade. Em agosto, o Instagram já havia restringido o alcance de posts sobre produtos de emagrecimento, como sucos e chás, para menores de 18 anos. Era, então, uma tentativa de mitigar a sua, digamos assim, impressão digital: promover o culto da imagem perfeita. Especialmente a do próprio usuário.
Publicado em VEJA de 11 de março de 2020, edição nº 2677