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Para brasileira da NASA, país sofre com “evasão de cérebros”

"Eu, por exemplo, fui embora do Brasil porque perdi a confiança do governo brasileiro em investir em ciência", diz Duília de Mello

Por Carla Monteiro Atualizado em 6 fev 2017, 17h54 - Publicado em 6 fev 2017, 17h49
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  • A astrofísica brasileira Duília de Mello, colaboradora da NASA, a agência espacial americana, desde 2003, esteve na última Campus Party 2017, que ocorreu na semana passada em São Paulo. Em entrevista, além da participação do país no cenário mundial da astrofísica e da “evasão de gênios” citada no título deste texto, ela falou sobre a importância da integração das ciências nas pesquisas espaciais. Duília, que também é vice-reitora da Universidade Católica da América, do estado de Washington, ainda comentou a importância de incentivar mulheres na ciência e tecnologia e citou o filme Estrelas além do tempo, que conta a história de um trio de mulheres negras que trabalham em um projeto da NASA durante a Guerra Fria. Confira:

    Qual é a sua avaliação em relação ao investimento do Brasil em astronomia? O baixo orçamento é um problema que o Brasil enfrenta. Em consequência dele, ocorre uma “evasão de cérebros”. Eu, por exemplo, fui embora do Brasil porque perdi a confiança do governo  em investir em ciência. Dediquei a minha vida ao mestrado, ao doutorado, e, de repente, me vi em meio a uma sociedade que elegia governos que não valorizavam a ciência. E isso está acontecendo hoje em larga escala: pesquisadores que já têm contatos no exterior buscam por oportunidades fora. O que é uma pena. Isso porque o Brasil precisa de seus cientistas. A fuga de cérebros, hoje, ocorre devido as dificuldades econômicas. Mas é um problema também é cíclico. Sempre vem e volta e continuará assim enquanto o país não valorizar as pesquisas acadêmicas.

    Porém, pensou em retornar ao país após se consagrar nos EUA? Não voltei por vários motivos. Um deles é porque eu não fiz carreira no Brasil e não tinha aquele salário básico de professor universitário e pesquisador. No Brasil não se contrata professores titulares em universidades; é muito difícil ter concurso público para professor titular. Aliás, o nosso sistema acadêmico é muito antigo: é preciso fazer uma prova para se tornar professor. O que deixa a área muito engessada. Nenhum lugar do mundo faz isso. Como consequência, repito, acabamos exportando nossos cérebros.  

    Quão significativa é a participação do Brasil no ramo da astronomia mundial? Está indo muito bem. Há cerca de 700 astrônomos no nosso país. Ou até mais, pois tem aqueles que trabalham no interior e não são registrados. Nossa comunidade faz trabalhos de primeira no mundo todo. Japão, Suécia, Estados Unidos, em vários lugares que visito encontro brasileiros realizando trabalho de ponta. Poderia ser melhor, pois estamos parados com um projeto internacional do Observatório Europeu. O Brasil entrou como convidado nessa iniciativa, mas até o momento não assinou o contrato, nem realizou o pagamento com o qual se compromissou. Está, inclusive, no ponto de ser retirado do consórcio. O que é uma pena, pois o Observatório Europeu é o maior do mundo.

    Como lidar com as notícias falsas de astrofísica na internet? É difícil. Muito conteúdo acaba se tornando “verdade” sem ser verdade, de tantos compartilhamentos nas redes sociais. Também há aquelas informações que nem são tão importantes cientificamente, mas se tornam bombásticas na web.  Uma coisa muito importante a se fazer é checar a fonte. Eu tento instruir, principalmente aos mais jovens, para se verificar a origem da informação. É a forma de não cair em notícias falsas. Uma da falsas histórias que circulam por aí, por exemplo, é a do asteroide que poderia se chocar com a Terra no próximo dia 16 de fevereiro. Quem cai nessa, se desespera sem motivo e faz papel de desinformado com os outros.

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    Ultimamente, com, por exemplo, o sucesso do filme Estrelas Além do Tempo — sobre negras que trabalharam na Nasa –, um assunto tem ganhado força no ramo científico: por que há poucas mulheres nessa profissão? Trata-se de um problema sério. O mundo está percebendo que existem menos mulheres nas áreas científicas e de tecnologia. Faz 20 anos que eu, pessoalmente, incentivo meninas a entrarem no ramo. Já escrevi um livro sobre o assunto (Vivendo com as Estrelas, sobre sua trajetória). Ninguém deve fazer ciência só porque é legal, mas porque gosta e é competente. O problema é que muitas mulheres não conseguem seguir carreira na área. No mestrado e no doutorado, a proporção ainda é de 40% de garotas. Só que quando falamos em contratação de pesquisadores, por exemplo, esse número cai drasticamente. Os homens precisam respeitar a forma como as mulheres fazem ciência. O feminismo não é uma proposta de transformar a mulher em um homem, mas de dar igualdade aos dois lados.  Eu acredito na representatividade. Quando aceitei o cargo de vice-reitora na Universidade Católica da América, no estado americano de Washington, foi também para mostrar que é possível mulheres terem carreiras de sucesso.

    A senhora protege a maior integração das ciências na astronomia. Como assim? Os astrônomos e astrofísicos trabalham muito com engenheiros, pois são eles que constroem os equipamentos. Um dos grandes desafios da astronomia moderna é a questão do armazenamento de dados. Somos limitados pelos limites da tecnologia. Onde nós vamos armazenar os muitos e muitos terabytes que são gerados por dias pelos telescópios?  A questão é que não será um astrofísico que deverá encontrar a solução para isso. Trata-se de um problema para a engenharia da computação. No projeto do telescópio Hubble, por exemplo, existem 150 engenheiros da computação trabalhando – e esse número não é invenção minha. É vital para a ciência o avanço da computação. Ou seja, é vital que todos trabalhemos muito. Sem divisões ou rivalidades, como muitas vezes acontecia. 

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