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O videogame que põe a China no mapa de uma indústria poderosa

Inspirado em um clássico da literatura oriental, ele já vendeu mais de 18 milhões de cópias

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 14 set 2024, 08h00
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  • Escrito durante a dinastia Ming (1368-1644), Jornada ao Oeste é o clássico por excelência da literatura chinesa. Dividido em 100 capítulos, o caudaloso romance cômico do poeta Wu Cheng’en conta a história da peregrinação do monge budista Xuanzang (602-664) à Índia para resgatar textos sagrados, com elementos de fantasia e magia. Entre os personagens mais emblemáticos da narrativa está Sun Wukong, o Rei Macaco, mistura de homem e símio que causa estragos por onde passa com seu jeito travesso e poderes desmedidos. O mais talentoso dos discípulos do mestre é capaz de viajar pelas nuvens e assumir 72 formas diferentes. Ele inspirou óperas e produtos da cultura pop como o simpático Son Goku do mangá Dragon Ball e, agora, protagoniza um jogo que surpreendeu a indústria mundial dos videogames com um visual fascinante e combates épicos.

    Desenvolvido na China ao longo de seis anos, Black Myth: Wukong foi lançado mundialmente em 20 de agosto — já vendeu mais de 18 milhões de cópias, tornando-se um fenômeno instantâneo comparável a títulos populares como Elden Ring e Zelda. Em um país dominado pelo entretenimento para smartphones, a desenvolvedora Game Science apostou numa diversão eletrônica dominada por ação com pegada de role-playing game (RPG), formato no qual os jogadores assumem o papel de personagens em um mundo fictício, cultivam suas habilidades e enfrentam desafios para avançar na história. Analistas de mercado estimam que a empresa tenha arrecadado 700 milhões de dólares até agora, ficando a pouca distância do histórico 1 bilhão de dólares amealhado há dois anos pela Activision Blizzard pelas vendas de Call of Duty no prazo de apenas dez dias.

    arte Games

    Black Myth: Wukong é o que os iniciados chamam de jogo triple A ou AAA, título desenvolvido por grandes estúdios com orçamentos generosos, tanto para produção quanto para marketing — neste caso, algo em torno de 70 milhões dólares —, e que geralmente busca alcançar o maior público possível. É o equivalente, no cinema, ao familiar blockbuster, o filme de orçamento milionário que de cara alcança nas bilheterias os valores de produção. Direto ao ponto: a China entrou no jogo, e adeus à ideia perene de produtos piratas, cópias do que é feito no Ocidente — embora, ressalve-se, o sucesso oriental esteja atrelado a uma postura protecionista dentro de casa: a proibição de vendas de consoles como Xbox e PlayStation no país por mais de uma década no início dos anos 2000, atalho para forçar o desenvolvimento de tecnologias locais, ao fechar as portar para o mundo.

    Apesar de algumas questões de design que podem ser aprimoradas, como a presença de paredes invisíveis e possíveis problemas de balanceamento, o videogame tem atraído jogadores por vários aspectos positivos, como sua beleza visual e o forte laço cultural. “É muito bem-feito, com uma parte cinematográfica e de câmera impressionante, realmente no nível do que há de melhor no mercado internacional”, diz Reinaldo Ramos, vice-coordenador do curso de jogos digitais da PUC-SP. “A China demonstra ter capacidade de desenvolver jogos de altíssima qualidade, quebrando a hegemonia euro-americana.” É bolo grande, em um mercado mundial de algo em torno de 184 bilhões de dólares, que tem crescido em torno de 7% ao ano. É faturamento duas vezes mais robusto que o de Hollywood. Os americanos ainda lideram, mas, com fenômenos como Black Myth: Wukong, os chineses crescem e aparecem (veja o quadro), com potencial de cerca de 700 milhões de usuários.

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    NO COMANDO - Jovem chinês: o país tem 700 milhões de potenciais clientes
    NO COMANDO – Jovem chinês: o país tem 700 milhões de potenciais clientes (Edwin Tan/Getty Images)

    Para conquistá-los, os desenvolvedores trataram de beber da cultura local, modo de conversar com adolescentes e adultos ansiosos por brincar de mãos dadas com a história do país, na contramão das invenções importadas. Parece ter dado certo, com um triste adendo emoldurado por censura: dias antes do lançamento, vazou um documento segundo o qual alguns temas foram vetados, como eventuais referências à covid-19 e a supostas “propagandas feministas”. E dá-lhe a China sendo a China, ao ocupar espaços, como fez no campo dos automóveis. E há, ressalve-se, imenso espaço de crescimento, tanto de consumo interno e externo quanto de envolvimento de programadores.

    Na construção do novíssimo game — trabalhado com um software de código semiaberto, de uma empresa americana, em aceno ao passado industrial chinês —, foram envolvidas 150 pessoas, muito pouco comparado à turma de 500 profissionais, em sua maioria jovens imberbes, que a francesa Ubisoft põe para labutar em um jogo da franquia Assassin’s Creed. Tudo somado, vive-se agora uma era revolucionária. A China definitivamente não está para brincadeira.

    Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910

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