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‘Nenhuma tecnologia é resposta para a segurança pública’, diz especialista

Em entrevista a VEJA, o especialista em segurança pública Pablo Nunes, comenta sobre a eficácia das tecnologias de reconhecimento facial

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 set 2024, 20h10 - Publicado em 6 set 2024, 19h00
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  • PABLO NUNES - O Panóptico: pesquisador apresentou dados no Festival do Conhecimento
    PABLO NUNES - O Panóptico: pesquisador apresentou dados no Festival do Conhecimento (Matheus Schottz/Extensão UFRJ/Divulgação)

    Em 2019, impulsionada pela política de segurança pública de Bolsonaro, houve um grande movimento de adoção de câmeras de reconhecimento facial pelo país. Desde lá, houve um aumento progressivo, mas, em 2024, a implementação dessa tecnologia voltou a crescer – eram 165 projetos em janeiro que saltaram para 282 em setembro.

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    A falta de transparência na adoção dessas políticas foi patente: dos valores gastos ao resultado no controle da violência, os números eram opacos. Para contornar esse problema, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) criou O Panóptico, um monitor da adoção dessas ferramentas pelo país. “Falta de transparência se combate com muita transparência”, diz Pablo Nunes, coordenador do Cesec. 

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    O pesquisador apresentou os dados do projeto no Festival do Conhecimento da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde participou de um debate sobre potenciais positivos e negativos das inteligências artificiais para as questões que envolvem o sul global. Em entrevista a VEJA, Nunes falou sobre o método de coleta de dados, a ineficiência dessa tecnologia e ideias plausíveis para os candidatos às prefeituras. 

    Em meio a falta de transparência, como vocês conseguem rastrear esses projetos pelo país? Nós nos baseamos na geração cidadã de dados, uma metodologia muito consolidada no Brasil e em outros lugares do mundo, e que busca produzir dados que o Estado não produz.  Todos os dias a gente tem um monitoramento ativo de tudo que sai na imprensa sobre projetos de reconhecimento facial, redes sociais e diários oficiais, através do Querido Diário,  um projeto da Open Knowledge Brasil que indexa diários oficiais do Brasil inteiro. 

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    2009 foi um marco para a adoção dessas tecnologias, mas isso está se repetindo agora em 2024. O que impulsionou essa adoção? Em 2019, nós vemos o início do governo Bolsonaro e, com ele, um grupo grande de deputados federais que tem a ideia de uma política pública de segurança dura em relação ao crime, muitas vezes, fora dos limites democráticos. Além da força policial, baseada na brutalidade, essa política também traz uma ideia de vigilância e monitoramento exacerbada. O reconhecimento facial no Brasil foi um projeto da extrema-direita que foi facilmente assimilado por parcelas progressistas que achavam que essa seria uma forma de tirar a decisão de escolher quem abordar da mão do policial, já que há uma discriminação racial bem conhecida nas corporações. Essa ano elas voltam porque a segurança continua sendo um assunto chave nas eleições. 

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    E, afinal, essa tecnologia resolve o problema da segurança? Não é à toa que diversos locais têm adotado postura crítica em relação ao reconhecimento facial. Um exemplo emblemático é o Vale do Silício, em São Francisco, que baniu o uso para segurança pública. Há um movimento internacional forte porque não consegue ver no reconhecimento facial elementos positivos de avanço da segurança pública, da sensação de insegurança e do combate ao crime organizado. É uma tecnologia que oferece uma promessa, mas que tem amplamente documentado uma dezena de efeitos negativos para a população, principalmente a população negra.

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    No Brasil houve algum resultado? Podemos perguntar, por exemplo, para o povo de Salvador. Lá já existe reconhecimento facial há seis anos e a segurança pública continua sendo uma grande preocupação. No Rio de Janeiro, há um avanço de grupos criminosos. Ninguém se sente mais seguro apesar das centenas de milhares de câmeras espalhadas pela cidade. O Rio, aliás, é um caso engraçado porque o Estado usou reconhecimento facial em 2019 e parou. Falamos com gestores e eles acharam que não valeu a pena, porque o sistema cometia muito erro e isso significa um mau uso do tempo do policial e do agente de segurança. 

    Por que é especialmente pior para pessoas negras? A ideia de pegar elementos da face humana para criar um identificador já é assentada em perímetros muito complicados, que relembram a produção de Lombroso, no século 18, que media crânios humanos para identificar traços de criminalidade. Dito isso, os bancos de dados utilizados por esses algoritmos para aprender o que é uma face humana são, em sua grande maioria, formados por pessoas brancas. Lá em 2014 nós começamos a ver os problemas disso, com sistemas de reconhecimento facial identificando pessoas negras como macacos porque não reconheciam elementos de uma face humana. Por fim, há o viés do próprio banco de dados de mandado de prisão, em que pessoas que cometem crimes na zona sul [de São Paulo ou do Rio] tem penas muito menores e mais brandas do que pessoas de favelas e periferias. Cria-se, assim, a tempestade perfeita.

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    Em seus artigos, você também fala sobre uma preocupação com a privacidade. Pode comentar sobre isso? São inúmeras as empresas que têm operado sistemas de reconhecimento facial e servidores para armazenamento. Aqui no Rio de Janeiro, o algoritmo que a polícia militar utiliza é um russo. Na Bahia, é um algoritmo chines. Muitas vezes as secretarias e polícias não conseguem dizer como e onde esses dados estão sendo armazenados. Alguns sistemas de câmeras aqui da cidade do Rio de Janeiro são armazenados na nuvem da Amazon, ou seja, são dados de cidadãos cariocas que estão hospedados em uma infraestrutura que nem está no Brasil. As faces dos cidadãos são elementos completamente sensíveis e pessoais. Como é que a gente bota um dado tão sensível na nuvem da Amazon, num algoritmo russo ou chinês sem que isso seja discutido? 

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    Existe algum mecanismo legal para garantir essa segurança? A LGPD, que é a Lei Geral de Proteção de Dados, retira a segurança pública do seu guarda-chuva, então, até hoje, a gente não tem nada que proteja os cidadãos brasileiros em relação à coleta e processamento dos nossos dados pessoais na segurança pública.

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    Existe alguma maneira de aprimorar essa tecnologia para que ela seja utilizada de maneira benéfica? Esse sistema já é usado há mais de 20 anos nos Estados Unidos e na União Europeia e é exatamente nesses lugares que estamos vendo um aumento de crítica ao uso dessas tecnologias.  O Parlamento Europeu, por exemplo, se posiciona contrário ao uso dessas tecnologias em espaços públicos. A ONU tem dois relatórios muito críticos sobre o uso. Mesmo após duas décadas de uso e aprimoramento, os países que produzem essas ferramentas não conseguiram mitigar os vieses raciais ou produzir legislações para lidar com os problemas que criam. Também é preciso levar em consideração que não é um problema pura e simplesmente tecnológico, existem questões sociais que precisam ser resolvidas antes. 

    Isso também se aplica às câmeras nas fardas de policiais? Antes de tudo, é importante dizer que nenhuma tecnologia vai ser uma resposta definitiva para os problemas da segurança pública para a população. No caso das câmeras corporais, São Paulo demonstrou que é possível usá-las como uma ferramenta dentro de uma política de controle e de redução da letalidade e de violência policial. Mas é só uma ferramenta. Foi muito importante haver mudanças na corporação antes da adoção das câmeras. Houve um programa de redução da letalidade, houve a fixação de metas para reduzir os casos de violência, houve a construção de um comitê que acompanhava a política pública, houve o fortalecimento dos canais de diálogo com a Defensoria Pública e com o Ministério Público. As câmeras só vão funcionar nesse contexto. Vide o exemplo do Rio de Janeiro. Há câmeras nas fardas mas não há nada de positivo que tenha vindo dessa adoção. 

    Considerando que estamos em ano de eleição e que a segurança é uma tônica, que tipo de estratégia de segurança pública os eleitores deveriam priorizar ao escolher seus candidatos? No contexto das eleições municipais, qualquer candidato que prometa para o eleitor que vai resolver o problema da segurança pública deve ser riscado. O município não tem poder sobre as polícias e tem pouco espaço para a produção das respostas necessárias. O que o prefeito pode fazer é pensar em mecanismos de prevenção de violência, e isso tem a ver com zeladoria. Aumento da eficiência da iluminação pública, por exemplo, reduz e coíbe alguns crimes. As Usinas de Paz, no Pará, ou o ComPaz, no Pernambuco, também são importantes por criarem locais de convivência comunitária. O roubo de celulares também pode ser coibido pela prefeitura se a Guarda Municipal fizer um bom serviço de ordem urbana. Candidatos que entendem dessas políticas e prerrogativas devem ser priorizados. 

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