Não é de hoje que a tecnologia deixou de ser um hobby exclusivo dos jovens. Sessentões, setentões, oitentões — ou até mais do que isso — representam fatias relevantes do consumo de produtos eletrônicos e recebem atenção crescente da indústria, que desenvolve estratégias específicas para despertar o interesse desse público. Foi assim com os smartphones, e-readers, tablets e outros gadgets. Agora, a nova fronteira da digitalização que a turma grisalha está desbravando é ainda mais ousada: o mundo dos games.
O setor cresce em ritmo acelerado em todas as faixas etárias, fenômeno que ganhou impulso com o isolamento social imposto pela pandemia. Em 2021, o valor movimentado pela indústria de videogames superou os 300 bilhões de dólares, mais do que os mercados de música e cinema combinados, segundo a consultoria Accenture. O mundo tem 2,7 bilhões de gamers e o número deverá chegar a 3,1 bilhões até 2024. A surpresa vem agora: parte significativa desse público será composta de pessoas da terceira idade.
De acordo com dados da empresa de pesquisa Euromonitor, 21% dos cidadãos com mais de 60 anos jogam videogames no mundo. O número chama a atenção, mas faz sentido. A mesma pesquisa mostrou que 82% dos consumidores com seis décadas ou mais de vida têm acesso a smartphones e 45% utilizam aplicativos de bancos. Com esse grau de digitalização — e a facilidade de jogar em aparelhos de celular — o acesso aos games passa a ser um caminho natural. Tanto é assim que, nos últimos três anos, detectou-se um aumento de 32% entre os gamers de 55 a 64 anos, conforme levantamento da GlobalWebIndex.
O interesse dos veteranos por jogos eletrônicos cresceu de tal maneira que já existem até blogueiros gamers com muitos anos de vida. Um dos melhores exemplos é a japonesa Hamako Mori, considerada pelo Guinness a gamer mais velha do planeta. Na casa dos 90 anos, ela conta com pouco mais de 534 000 seguidores. Pelo YouTube, eles assistem à desenvoltura com que Mori passeia por jogos agressivos, como GTA 5 e Resident Evil, ou títulos contemplativos, como Minecraft.
Outros canais para esse público são ainda mais populares. Além de proporcionar diversão e prazer, videogames podem ser especialmente interessantes para os mais velhos em razão dos benefícios à saúde física e mental que eles podem oferecer. De acordo com um estudo publicado no periódico científico Proceedings of the National Academy of Sciences, gamers de 70 a 80 anos de idade são capazes de realizar diversas tarefas com a mesma habilidade de pessoas até 50 anos mais jovens, uma vez que a coordenação motora e a atividade cognitiva exigida pela prática mantêm o cérebro mais jovem. Pesquisas mostraram ainda que o hábito de jogar videogames pode eventualmente desacelerar o surgimento de doenças neurológicas, como o Alzheimer. “São benefícios significativos, segundo apontam os estudos”, afirma Venceslau Coelho, médico do Serviço Geriatra do Hospital das Clínicas. “É uma forma de treinar atenção e memória a partir da diversão que os games oferecem. Os idosos estão protegendo o cérebro ao jogar.”
Isso ocorre porque jogos eletrônicos exigem que a pessoa realize diferentes tarefas em ordens específicas, utilize o raciocínio lógico, planeje suas próximas ações e explore o ambiente ao seu redor — atitudes que certamente estimulam a mente. Em um estudo, voluntários de 55 a 75 anos passaram meia hora jogando o clássico Super Mario 64 diariamente durante seis meses. Ao final da pesquisa, publicada no periódico científico Plos One, eles apresentaram melhorias na memória de curto prazo e maiores quantidades de matéria cinzenta no cérebro do que aqueles que não tinham o hábito de jogar. Os games também oferecem benefícios sociais. Muitos permitem que os praticantes disputem partidas on-line, interagindo com pessoas em diversas partes do mundo. Embora o envelhecimento seja um destino inevitável, já é possível, com a ajuda da ciência e da medicina, retardar alguns de seus piores efeitos. Se for para trabalhar a mente, por que não fazer isso enquanto a pessoa se diverte? Não há dúvida: está na hora de o vovô e a vovó entrarem no jogo.
Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2022, edição nº 2775