Japoneses superam americanos e apresentam o computador mais veloz do mundo
O equipamento consumiu 1 bilhão de dólares em pesquisas
Os países que dominam a ciência da computação travam uma guerra que tem como única arma a capacidade de supermáquinas processarem trilhões de dados ao mesmo tempo. Os Estados Unidos, terra de gigantes como Apple, IBM, Intel, Microsoft e Oracle, costumam destroçar rivais nos campos de batalha, mas desta vez foram superados pelos japoneses. O título de computador mais rápido do mundo, antes pertencente a um equipamento da IBM construído na Califórnia em 2018, trocou de mãos há alguns dias. O campeão atende pelo nome de Fugaku e está localizado no Instituto Riken de Ciência da Computação, na cidade de Kobe, no Japão. Ele atingiu 2,8 vezes mais potência que seu rival americano, o que é de fato notável. Significa que pode, por exemplo, processar 27 660 filmes em HD em apenas um segundo, o equivalente a cinco vezes mais do que todo o catálogo da Netflix disponível no Brasil. Obviamente, o Fugaku não foi concebido para realizar tarefas comuns. Entre outras atribuições, sua missão é promover simulações de mudanças climáticas a partir de dados enviados por satélites, analisar a eficiência de armas em desenvolvimento ou coletar informações para testes de novos medicamentos. Ele, inclusive, está empenhado no estudo do coronavírus e poderá ajudar na criação de protocolos para o tratamento da doença. Usará, para esse fim, seu extraordinário poder de processamento, que chega a 415 quatrilhões de operações matemáticas por segundo. Para efeito de comparação, isso é 1 milhão de vezes mais rápido do que fazem os notebooks mais velozes disponíveis no mercado.
O poder de fogo não custou barato ao governo japonês, que desembolsou cerca de 1 bilhão de dólares no projeto — os maiores sistemas planejados nos Estados Unidos nunca passaram dos 600 milhões de dólares. O resultado justificou o investimento. O Fugaku é tão bom que outras nações, incluindo os Estados Unidos, pretendem usá-lo em suas pesquisas. Ainda que o clima seja diplomático, seu desenvolvimento faz parte de um combate tecnológico silencioso, marcado por grande rivalidade entre os competidores. Como em todas as áreas comerciais, a disputa é mais acirrada entre Estados Unidos e China. O país da Muralha tem 226 sistemas entre os 500 computadores mais poderosos do mundo, sendo que um deles aparece em quarto lugar na lista. Os Estados Unidos contabilizam 114, mas eles respondem por uma potência computacional agregada maior. O Japão tem participação relativamente menor no ramo dos supercomputadores, com apenas trinta unidades entre os melhores.
O Brasil, apesar das limitações em pesquisa e desenvolvimento, também está no ranking, com quatro equipamentos entre os 500 mais potentes do planeta. Um dos destaques nacionais é o Santos Dumont, na 240º posição da lista. Instalado em Petrópolis, no Rio de Janeiro, ele processa 5,1 quatrilhões de operações, quase 100 vezes menos do que o supercomputador japonês. “Com atualizações constantes, seu potencial já evoluiu 360% na comparação com especificações originais da época do lançamento, em 2015”, afirma o cientista de dados Luis Casuscelli, da Atos, empresa responsável pela tecnologia do supercomputador brasileiro.
Em constante evolução, a corrida dos microchips pode ficar obsoleta em pouco tempo. Em 2019, o Google e a Nasa criaram o equipamento Sycamore, que usa computação quântica em vez de processadores comuns. Em termos simplificados, o método possibilita às ações do computador ocorrerem simultaneamente em busca de um resultado. Assim, ele é capaz de realizar, em três minutos, cálculos que antes levariam 10 000 anos para ser feitos. De tão extraordinário, o Sycamore foi apelidado de “o Santo Graal da computação”. Isso porque o feito, se comprovado, atingirá o que se conhece como “supremacia quântica”, indicando aquele momento da civilização em que os computadores seriam tão (ou mais) competentes quanto os seres humanos. Por enquanto, o avanço se restringe ao campo científico, sem utilidade cotidiana, como é o caso do Fugaku. De todo modo, a Lei de Moore, máxima criada pelo empreendedor americano Gordon Moore, cofundador da Intel, parece cada vez mais distante da realidade. A regra diz que, “a cada dezoito meses, o poder de processamento das máquinas dobrará”. Na era quântica, é impensável até onde os computadores podem chegar.
Publicado em VEJA de 29 de julho de 2020, edição nº 2697