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No deserto, Israel se afirma como referência na indústria da inovação

O polo é conhecido como Silicon Wadi, uma espécie de Vale do Silício, e concentra 8 400 companhias do setor de tecnologia

Por Filipe Vilicic, de Tel-Aviv
Atualizado em 4 jun 2024, 14h54 - Publicado em 7 fev 2020, 06h00
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  • Vales marcados pela intensa aridez parecem ter se tornado ambientes ideais para o florescimento de frutos típicos do século XXI: os produtos tecnológicos. O maior centro de inovação do planeta se encontra em uma região seca da Califórnia. Todos os anos, o Vale do Silício concentra 50 bilhões de dólares de investimentos de alto risco, usualmente destinados a startups — quase metade do montante movimentado dentro dos Estados Unidos —, além de 15% da produção de patentes desse país. A renda média de um morador da região ultrapassa os 110 000 dólares (em torno de 460  000 reais).

    A mais de 10 000 quilômetros de distância de lá, no Oriente Médio, o Deserto de Negueve, em Israel, vê crescer, sobre seu solo abrasador, um complexo industrial que põe o território em disputa direta com a cidade chinesa de Shenzhen pelo posto de segundo maior polo de inovação do mundo. O oásis tecnológico leva o nome de Silicon Wadi (em hebraico, wadi significa vale). Nele proliferam companhias de ponta, que se espalham ainda pela costa litorânea, nos arredores de Tel-Aviv, fazendo dessa pequeníssima nação, com menos de 10% da área do Estado de São Paulo e população pouco maior que a da cidade do Rio de Janeiro, um sinônimo de progresso.

    A flora de Wadi é composta de 8 400 companhias do setor; a cada ano, outras 1 000 se somam a elas. Na última década, 1 210 startups daquele mínimo pedaço do globo foram adquiridas por multinacionais de peso, em acordos que superaram o valor total de 110 bilhões de dólares. “Foi por isso que passamos a ser apelidados de Startup Nation (Nação Startup)”, disse a VEJA, em pleno Silicon Wadi, o cientista político israelense Ran Natanzon, cujo cargo no governo soa melhor em inglês: head of innovation & country branding (algo como “líder de inovação e marca do país”) do Ministério de Relações Exteriores. “Israel é a única nação a ter uma função pública dessa natureza, destinada a promover a indústria tecnológica, o que revela como estamos à frente nesse aspecto”, comentou ele.

    Como Israel transformou um deserto árido em centro de inovação mundial? Responde Natanzon, especialista em vender tal faceta do país: “Trata-se de uma combinação dos seguintes fatores, todos igualmente essenciais: somos uma nação altamente militarizada; mantemos a indústria em ligação com as pesquisas acadêmicas; o governo atua para fomentar o setor; há operação ativa de fundos de investimentos e multinacionais; e existe uma proliferação de startups”.

    Todo israelense, homem ou mulher, é obrigado a servir no Exército ao completar 18 anos. O que não quer dizer, no entanto, que o contingente completo vá para a linha de frente. Há, por exemplo, uma unidade, a 8  200, integrante do Corpo de Inteligência das Forças de Defesa, cujos membros se dedicam a decifrar códigos de computador. “Essa tropa fornece veteranos hábeis em trabalhar com segurança de dados digitais e em outras áreas do mercado da tecnologia”, explicou o engenheiro israelense Lavy Shtokhamer, ele mesmo um oficial reformado da 8 200. “Saem preparados para trabalhar em postos cujos salários são altíssimos.”

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    Shtokhamer chefia o Cert (Time de Resposta Cibernética Emergencial, na tradução da sigla), uma divisão que mescla agentes ligados ao governo e representantes de empresas parceiras, como a IBM, em ações contra ataques de hackers que têm como alvo Israel ou, como vem sendo mais frequente, sistemas de companhias privadas. “Monitoramos criminosos virtuais pelo mundo afora e trocamos informações com governos e multinacionais em um momento no qual tem sido determinante defender-se de assaltos digitais”, resumiu o engenheiro.

    Na sede do departamento, onde só se pode ingressar sem dispositivos eletrônicos — nem mesmo celular —, funcionam um pioneiro número de emergência, disponível para qualquer israelense pedir socorro quando acredita ter sido hackeado, e programas de defesa cibernética focados em setores específicos, como o de telecomunicações e o financeiro. A rede de proteção serve tanto a companhias nacionais e estrangeiras quanto a uma coligação de 36 países, incluindo o Brasil. “Há poucos meses detectamos e repelimos uma tentativa de desativar todo o fornecimento energético de nossa nação”, revelou o ministro de Energia de Israel, Yuval Steinitz, em apresentação na conferência de cibersegurança Cybertech, que ocorreu na última semana de janeiro em Tel-Aviv.

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    A sede do Cert está localizada em uma cidade que é exemplo máximo da transformação pela qual passou Israel para se tornar referência tecnológica. Até novembro de 2011, Be’er Sheva era mais célebre por ter sido apontada como palco de diversas cenas bíblicas, servindo de lar a patriarcas das religiões abraâmicas, como Isaac e o próprio Abraão. Escavações arqueológicas no local revelam que as primeiras ocupações humanas datam do século IV a.C. Na última década, o governo de Israel investiu em Be’er Sheva mais de 10 bilhões de dólares, e outros 400 milhões vieram do setor privado para construir uma série de prédios e centros de pesquisas, com foco principalmente em ações de cibersegurança. Pelos corredores dos edifícios, rodeados de canteiros de obras em andamento, observam-se quadros que exaltam inovações realizadas no território israelense. “Grande parte das empreitadas tem início em projetos governamentais, que depois acabam por fornecer componentes de produtos do setor privado”, observou Shtokhamer enquanto apontava uma tela com descrições do Domo de Ferro, o avançadíssimo sistema de defesa antiaérea desenvolvido pela empresa local Rafael, cujo faturamento supera os 2,3 bilhões de dólares por ano.

    “Como a Startup Nation, viramos especialistas em criar negócios novíssimos para depois vendê-los a multinacionais, sobretudo as americanas. Agora é o momento de progredirmos para uma ‘Scale-up Nation’  ”, afirmou Udi Mokady, fundador e CEO da Cyber­Ark, que desenvolve softwares de segurança digital para 5 000 clientes, incluindo 30% das 200 marcas mais valiosas em âmbito planetário. Scale-­up — do inglês “ampliação” — é o termo usado na área para indicar quando uma startup, em vez de ser adquirida por uma companhia maior, opta pelo crescimento por conta própria. Em Israel, um exemplo famoso do modelo mais vigente até agora é a Waze, fundada em 2008 e adquirida cinco anos mais tarde pela americana Google por 1,15 bilhão de dólares.

    Para Mokady, está na hora de as novatas pararem de se vender aos gigantes estrangeiros. Ele fala com propriedade. Criada em 1999, a CyberArk recebeu uma série de ofertas, contudo recusou todas e decidiu ingressar na bolsa de valores nova-iorquina Nasdaq. Hoje, vale cerca de 5,5 bilhões de dólares. “Por sermos algo como uma pequena ilha, de população reduzida, no meio do deserto, nossas startups já nascem com foco no mercado global. O segredo aqui é pensar grande”, conclui Mokaday, os olhos mirando longe, através da janela de uma sala voltada para Petah Tikva, perto de Tel-­Aviv, no prédio em que está seu escritório. A empresa já conta com um Q.G. em Massachusetts (EUA) e em breve estreará suas operações em Be’er Sheva — um vale de fertilidade.

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    Publicado em VEJA de 12 de fevereiro de 2020, edição nº 2673

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