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Artigo: Uma lei para o dilema das redes

A nova regulação de proteção de dados prevê maior controle das pessoas sobre suas informações, o que deve ter impacto direto sobre as redes sociais

Por Fernanda Barroso*
Atualizado em 4 jun 2024, 14h34 - Publicado em 6 nov 2020, 06h00
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  • Uma pesquisa do Comitê Gestor da Internet de 2020 mostra que, atualmente, mais de 70% dos domicílios brasileiros têm acesso à internet. Embora a conexão à rede traga inúmeras vantagens — como redução de distâncias, acesso à informação e liberdade para a publicação de ideias —, há algumas preocupações pertinentes por parte dos usuários. Especialmente no Brasil, a apreensão em relação à segurança de dados está acima da média mundial, de acordo com o Unisys Security Index 2020 — o que sinaliza o fato de o país ser um dos maiores alvos de fraudes como phishing (golpe de envios de e-mails ou mensagens com promoções ou informações falsas com o intuito de roubar dados) e ransomware (quando um software “mal-intencionado” bloqueia acessos e pede resgate para as vítimas, uma forma de extorsão virtual). Mas não são só os ataques cibernéticos que geram angústia em relação à proteção de informações pessoais: a pesquisa Global WebIndex coloca o país como o segundo mais conectado às redes sociais, as quais, infelizmente, vinham permitindo de forma indiscriminada o uso de dados de usuários para estratégias publicitárias ou políticas.

    Preocupações como essas foram amplificadas pelo escândalo do vazamento de dados do Facebook para a empresa Cambridge Analytica, que coletou indevidamente informações de 87 milhões de usuários por meio de testes de personalidade na rede social. Esses dados foram usados para influenciar a opinião de eleitores em vários países. O episódio foi o pontapé para que autoridades europeias criassem o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR), que vigora desde 2018, estabelecendo regras para o uso de informações pessoais. Na mesma linha, foi aprovada no Brasil a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que, após muito vaivém político, finalmente entrou em vigor em setembro e passou a fazer parte do dia a dia dos brasileiros — sejam eles empresas ou consumidores, com diferentes níveis de uso da internet. Tanto o GDPR quanto a LGPD visam a centralizar o ambiente regulatório, além de fornecer aos usuários o controle sobre seus dados pessoais e privacidade em meios de comunicação, caso assim desejado.

    As empresas brasileiras precisam estar aptas a responder a perguntas de cidadãos sobre suas informações. Algumas delas: Quais são os dados que possui das pessoas? Para que são utilizados? Qual a justificativa para ter cada um deles? As informações são ou foram transferidas para outras empresas? Qual é o grau de segurança em que elas são mantidas? O efeito da nova lei nas redes sociais, utilizadas massivamente no país e grande fonte para se encontrar detalhes pessoais, será sentido de forma significativa. Informações cujo processamento não foi ativamente consentido não poderão ser usadas. As empresas deverão ter uma base legal para obter informações de clientes, assim como para justificar a não exclusão de dados. Isso porque, apesar de a LGPD não especificar o direito ao esquecimento, como ocorre na lei europeia, ela tem como princípio o uso dos dados pessoais apenas enquanto eles forem necessários à empresa, de forma legalmente justificada, o que gera brechas para pedidos de exclusão.

    É esperado que a LGPD resulte em estratégias de vendas mais responsáveis por parte das empresas, especialmente as que dependem das redes sociais para monitorar informações de potenciais clientes e desenvolver uma segmentação automatizada. Isso também vale para aquelas que compram dados cadastrais para envio de spam. O que ocorre é que, com a nova lei, os modelos automáticos de classificação via algoritmos das estratégias de venda ficam sob o escrutínio público, pois a lei especifica que os usuários podem pedir detalhes sobre os critérios e procedimentos utilizados em modelagens, ficando passíveis à auditoria pública sobre potenciais aspectos discriminatórios. Por exemplo, deve haver salvaguardas robustas para o uso de informações relacionadas a orientação sexual, raça, saúde, política e crenças religiosas.

    “É esperado que a LGPD resulte em estratégias de vendas mais responsáveis por parte das empresas”

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    Outro aspecto resultante da implantação da LGPD pode ser a redução na disseminação de fake news, tendo em vista que ficará mais controlado o acesso a dados que permitam identificar determinados grupos de pessoas ou eleitores. Dessa forma, campanhas de ódio, assédio e exposição da intimidade alheia usando a internet como meio de divulgação seriam situações menos corriqueiras na vida dos usuários de redes sociais.

    Ainda que, no Brasil, a LGPD seja uma novidade, a experiência do GDPR já trouxe aprendizados e modificações importantes nas redes sociais. Mudanças como novas dinâmicas de desindexação nas plataformas de busca para atender a pedidos de exclusão de dados começaram a acontecer. Também passou a existir a exigência de que os anunciantes de públicos personalizados atestem o consentimento desse mesmo público. A regulação instituiu ainda a exigência de autorização para uso de cookies (histórico detalhado de acesso) em anúncios direcionados. Em suma, está havendo maior cuidado com dados pessoais trocados em mensagens públicas de redes sociais (que não são propriedade da plataforma).

    Por meio desses novos processos, os usuários podem garantir mais privacidade, segurança sobre o uso de dados pessoais e controle sobre experiências de compra. À medida que os consumidores estão mais vigilantes sobre o tratamento de dados, a responsabilidade e a transparência com que cada empresa tratar o público tendem a estimular a confiança em suas marcas, algo que tem valor inestimável.

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    * Fernanda Barroso é diretora-geral da Kroll no Brasil

    Publicado em VEJA de 11 de novembro de 2020, edição nº 2712

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