Pode até não parecer trabalho, mas há grandes chances de que um garoto que vive com um joystick nas mãos ou que passa horas debruçado diante do computador, em partidas virtuais de videogame pela internet, esteja ganhando (muito) dinheiro. A evidência: jogadores e times profissionais de games como League of Legends (LoL) ou Counter Strike: Global Offensive (CS: GO) se mantiveram na ativa mesmo durante a quarentena provocada pela pandemia. Ressalve-se, claro, que o mercado dos eSports, que antes da Covid-19 deveria movimentar 1 bilhão de dólares em 2020, também foi impactado pela crise sanitária. Os eventos presenciais, que mobilizam milhões de ávidos seguidores ao redor do globo, foram quase todos adiados ou cancelados. Foi preciso voltar às origens, quando as partidas eram todas realizadas de forma virtual, por meio da internet. A primeira fase (o split, no jargão da turma) do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLoL) foi concluída no início do mês de forma remota — desde 2015, a Riot Games, empresa que criou o jogo, reunia as equipes participantes na sua sede brasileira em São Paulo. Mesmo assim, teve ganho de 10% na audiência de suas plataformas digitais e do canal por assinatura SporTV.
De suas casas, cada um dos competidores conectava-se a um servidor dedicado exclusivamente ao torneio e adentrava na arena virtual. “De casa, o clima do campeonato se assemelha ao de um treino. O jogador não tem aquele ritual de acordar, vestir o uniforme, ir até o palco”, afirma Thiago Maia, que atende pelo apelido “Djoko”, técnico do time de LoL do Flamengo — sim, o clube carioca mantém equipes de eSports. “Isso pode ser bom ou ruim. Tem atleta que cresce no palco com torcida, enquanto outros, geralmente os mais inexperientes, podem acabar sentindo um pouco a pressão.”
ASSINE VEJA
Clique e AssineQuem parece não ter se adaptado muito bem às mudanças foi Felipe Gonçalves, conhecido no universo do LoL como “brTT”, pentacampeão brasileiro do jogo. De volta à equipe paiN Gaming, uma das pioneiras no Brasil, após uma passagem bem-sucedida pelo Flamengo eSports, o carioca de 29 anos nem chegou à fase de mata-mata do primeiro split do CBLoL. Mesmo assim, brTT é um dos jogadores mais badalados do país. Com mais de 600 000 seguidores no Instagram, recebe salário mensal de cerca de 15 000 reais, segundo estimativas do mercado, fora a receita que consegue de contratos de publicidade e os valores arrecadados com cursos on-line e com o canal de vídeos que mantém no YouTube.
Embora o universo do marketing esteja num momento de retração, com vários clubes de futebol de “carne e osso” com contratos suspensos, tal realidade não se repete no universo virtual. Thomas Hamence, diretor executivo da paiN Gaming, comemora o fato de não ter perdido nenhum de seus patrocinadores, entre eles Coca-Cola e BMW. “Temos uma torcida fiel, a maior da América Latina, mas nosso público-alvo é sempre a geração que está por vir” , diz. A partir do ano que vem, o CBLoL estreará uma estrutura de franquias, como já ocorre nas grandes ligas americanas. Com isso, as equipes serão sócias do campeonato e não haverá rebaixamento, o que representa maior organização e segurança para os investidores. “Estudamos a estrutura de franquias e chegamos à conclusão de se tratar de um modelo viável no Brasil”, afirma Carlos Antunes, diretor da Riot Games no país.
Modalidades como futebol e automobilismo assistem de camarote ao próspero caminho dos eSports e tentam seguir seus passos para diminuir os preocupantes prejuízos comerciais. A Fórmula 1, que nem chegou a estrear em 2020 — sete GPs já foram adiados e três cancelados —, passou a promover corridas remotas, ancoradas em simuladores. Nelas, porém, não aceleram apenas os pilotos do grid real, mas também convidados, incluindo craques famosos do futebol, como Sergio Agüero, do Manchester City, e o brasileiro Arthur, do Barcelona. Sem partidas ao vivo para transmitir, a Rede Globo decidiu abraçar de vez o universo gamer e tem promovido minitorneios de Pro Evolution Soccer. O jogo licenciou os vinte clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, cujos participantes são os astros das equipes nacionais. O atacante flamenguista Gabriel Barbosa, o Gabigol, até conseguiu replicar no videogame sua comemoração característica, mas caiu precocemente na disputa — o primeiro vencedor do troféu Controle de Ouro foi o zagueiro Bruno Fuchs, do Internacional de Porto Alegre.
Publicado em VEJA de 3 de junho de 2020, edição nº 2689