Uma nova vacina personalizada contra o glioblastoma – o tipo mais agressivo e fatal de câncer cerebral – prolongou a sobrevida de quatro pessoas no primeiro ensaio clínico dessa natureza. Os resultados foram recentemente publicados pela editora científica Press Cell.
O candidato a imunizante funciona fornecendo ao sistema imunológico uma forma de “reconhecer” o tumor e, uma vez que equipado com informações vitais, ele se torna capaz de reprogramar as defesas contra as células cancerígenas e, de forma bem sucedida, consegue “atacá-las”.
Ensaio clínico promissor
No ensaio clínico, quatro pacientes com glioblastoma resistente ao tratamento receberam duas ou quatro doses da vacina. Apenas algumas horas após a administração, os pesquisadores notaram um aumento das proteínas pró-inflamatórias conhecidas por “recrutar” glóbulos brancos, as células de defesa que ajudam o organismo a combater infecções. Ou seja, isso indica que a vacina resultou em uma ativação imune significativa e rápida.
Esse impulso inicial ao sistema imunológico também foi associado a efeitos colaterais de curto prazo típicos de uma resposta imune, como náuseas, febre baixa e calafrios, que gradualmente desapareceram até dois dias depois.
Além disso, autores observaram que, em menos de 48 horas, houve mudanças significativas nas configurações dos tumores. Antes da aplicação da vacina, a atuação das células imunes era muito fraca e a resposta do organismo ao tumor era silenciosa. Após a vacina, no entanto, a resposta imune adquiriu um caráter ativo, demonstrando maior atividade das células de defesa do organismo contra o tumor.
A partir disso, os cientistas concluíram que foram capazes de ativar rapidamente a parte inicial do sistema imunológico contra o glioblastoma, o que é fundamental para desbloquear os efeitos posteriores da resposta imune.
Aumento de sobrevida livre de progressão
Historicamente, pacientes tratados do glioblastoma com quimioterapia, radioterapia e cirurgia podem viver cerca de seis meses, mais ou menos, sem progressão da doença. Com esta nova vacina, todavia, um paciente teve oito meses de sobrevida livre de progressão e outro, nove meses.
Um terceiro paciente viveu por mais nove meses com glioblastoma recorrente. Informações precisas de sobrevida ainda não foram relatadas para o quarto paciente. Normalmente, a sobrevida média para glioblastoma recorrente é de cinco a oito meses.
Os resultados promissores se baseiam em um estudo anterior que testou a vacina em dez cães sofrendo de tumores cerebrais. Atualmente, cachorros com esse diagnóstico terminal e sem outro tratamento têm uma taxa média de sobrevida de 35 dias. Com a vacina, esse número passou para 139 dias.
Desarmando as defesas do tumor
Uma das partes mais difíceis sobre o tratamento de tumores de glioblastoma é que eles são fortemente protegidos do sistema imunológico. O microambiente tumoral — isto é, as estruturas que interagem com as células cancerígenas e influenciam no comportamento do tumor e sua resposta ao tratamento — do glioblastoma é imunossupressor, o que significa que faz com que as células imunes morram se tentarem atacar o tumor.
A nova vacina – que é baseada na mesma tecnologia dos imunizantes contra a Covid-19 — funciona reprogramando esse microambiente usando uma amostra do próprio tumor. Ao pegar o RNA mensageiro (que carrega informações genéticas do DNA) do tumor e introduzi-lo em uma vacina, os pesquisadores podem “ensinar” as células imunes do paciente a contornar o microambiente tumoral.
Os cientistas explicam que ao mesmo tempo que a vacina alerta o sistema imunológico para um invasor, ela funciona como um agente imunomodulador, alterando o tumor para ser mais facilmente invadido, ou seja, desarmando-o
Próximos passos
Os especialistas agora estão tentando determinar com que frequência e em que dosagem a vacina deve ser administrada para obter bons resultados e níveis de segurança adequados, e quais planos de tratamento combinados funcionam melhor em conjunto ao imunizante. Os resultados positivos também precisarão ser equilibrados com os potenciais negativos para produzir o menor número possível de efeitos adversos.
Por fim, os autores esperam que a nova vacina possa criar um novo paradigma de tratamento para os pacientes com glioblastoma, firmando-se como uma nova tecnologia que permite modular o sistema imunológico.