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Sal é tudo igual? O mais caro não vai reduzir sua pressão arterial

Perfis de 'profissionais da saúde' indicam, sem embasamento científico, 'sal integral' para melhorar a hidratação e obter minerais essenciais para o organismo

Por Mauro Proença/ Revista Questão de Ciência*
31 out 2024, 10h00
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  • A ideia de beber água contendo “sal integral” para obter benefícios não comprovados cientificamente não é nova, mas, por algum motivo, a prática passou a ganhar força em 2024.

    São muitos os perfis de “profissionais da saúde” que indicam “sal integral” para melhorar a hidratação, obter minerais essenciais para o organismo e, com isso, melhorar o sono, aumentar a energia, rejuvenescer, reduzir o estresse, fortalecer a imunidade e, quem sabe, até trazer a pessoa amada em sete dias – ok, essa última eles não prometem, mas, se prometessem, estariam partindo da mesma (ausência de) base científica que sustenta os demais “benefícios” alegados.

    A linha geral do discurso adotado pelos influenciadores que recomendam a prática é de que existe alguma diferença fundamental, para a saúde humana, entre o sal “refinado” (o sal comum, baratinho, do supermercado) e o sal do Himalaia, ou algum outro tipo de sal mais gourmet ou “natural”. Meia colher de café de sal “natural” (ou integral, mineral, ou o nome que se queira dar), dissolvido em um litro de água, seria, até, bom para controle de pressão arterial – como se o íon sódio contido no sal caro tivesse algum carimbo diferente, só porque saiu de uma embalagem mais chique.

    O discurso pseudocientífico construído para vender essa falácia se vale da apresentação das credenciais do locutor (biólogo, especialista, estudioso, nutricionista), seguido por relatos de caso, demonização de um “vilão” (o sal refinado), e o uso distorcido da ciência, seja omitindo fontes ou selecionando dados de forma tendenciosa. Além disso, o discurso é apresentado de forma axiomática, como se fosse a verdade absoluta.

    Para ser perfeitamente claro: é mentira que a água com sal — independentemente do tipo — ajude a regular a pressão arterial.

    De onde veio a ideia?

    A seção a seguir foi baseada no livro “Your Body’s Many Cries For Water: A revolutionary natural way to prevent illness and restore good health”, escrito pelo médico e naturopata Fereydoon Batmanghelidj, que, segundo minhas pesquisas, foi quem desenvolveu a ideia de que a água com sal pode atuar como um potente medicamento. As teorias de Batmanghelidj não têm comprovação científica e carecem de plausibilidade – isto é, além de não haver evidências sugerindo que estejam corretas, o conhecimento científico mais geral sobre saúde humana indica fortemente que estão erradas.

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    Pelo que a história conta, Fereydoon Batmanghelidj descobriu os efeitos curativos da água em uma prisão superlotada em Teerã, capital do Irã, onde foi mantido durante a Revolução Iraniana de 1979. Ele se deparou com um detento agonizando com dores agudas no estômago provocadas por uma úlcera gástrica e tratou-o com o único medicamento disponível: um copo de água.

    Encantado com sua descoberta, Batmanghelidj decidiu tratar outros detentos que o procuravam com a mesma intervenção, chegando à conclusão de que a água conseguia curar e tratar mais doenças do que qualquer outro medicamento isolado. Isso valia até mesmo para pessoas em sofrimento intenso.

    Ainda de acordo com a narrativa, durante os três anos de sua prisão, Batmanghelidj curou mais de 3.000 casos de úlcera com água, o que o levou a levantar novas hipóteses sobre quais outras doenças poderiam ser tratadas com esse “elixir milagroso”. Segundo relatos do próprio, ele observou que a água poderia reverter condições de saúde como asma, angina, hipertensão, depressão, dor de cabeça, colesterol alto e obesidade, entre muitas outras.

    Como é comum em livros desse tipo, há um capítulo específico que apresenta a “nova medicina” que irá revolucionar tudo o que conhecemos. No caso da água, Batmanghelidj destaca que a nova verdade científica, que capacitará as pessoas a se tornarem praticantes da medicina preventiva, é que o solvente – a água – regula todas as funções do corpo, incluindo a atividade de todos os solutos (substâncias sólidas) dissolvidos nele.

    No caso da hipertensão, o médico afirma que a doença é resultado de um processo adaptativo a uma grande deficiência de água no corpo.

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    Por conta disso, a hipertensão deveria ser tratada, em primeiro lugar, por meio do aumento da ingestão diária de água, e não da maneira como fazemos atualmente, prescrevendo diuréticos para diminuir ainda mais o volume de água.

    Mas onde entra o sal nessa história? Ainda de acordo com o médico, a ingestão reduzida de sódio – além de causar osteoporose – contribuiria para o acúmulo de acidez em algumas células, o que levaria a danos na estrutura do DNA e poderia ser o mecanismo inicial para a formação de câncer. Nessa lógica, ao aumentar o consumo de água para combater a pressão alta, é preciso compensar aumentando também o de sódio.

    Mesmo erradas, as ideias de Batmanghelidj seguem influenciando profissionais da área da saúde e a trazer problemas para a vida de muitos pacientes. A quantidade de comentários que vi em vídeos e postagens de pacientes hipertensos que abandonaram seus medicamentos em favor de água com sal, com a justificativa de que seria uma alternativa mais saudável e isenta de efeitos colaterais, representa uma preocupação séria.

    Claro, algum defensor da prática poderia destacar que Batmanghelidj não especificou, em sua recomendação, que o sal teria de ser integral, e não sua contraparte refinada. No entanto, será que há uma diferença significativa entre um cloreto de sódio e outro?

    Tipos de sal

    Embora existam alguns artigos que tentam destacar as diferenças entre os tipos de sal, como “A Grain of Salt: Information to empower mindful choices toward a healthier life”, que considera o sal refinado uma substância tóxica a ser evitada e o sal não refinado, uma fonte de mais de 80 minerais em proporções ideais para o organismo, a verdade é que essas diferenças na composição são insignificantes.

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    Adentrando no tema, de acordo com o artigo “Gourmet Table Salts: The Mineral Composition Showdown”, o sal refinado — também conhecido como sal de mesa — é um ingrediente culinário utilizado como tempero e agente conservante desde os tempos antigos. Ele pode ser obtido tanto pela evaporação de soluções salinas (como água do mar ou fontes salinas) quanto pela mineração de rochas de sal.

    Após a mineração, o sal bruto passa por uma etapa de lavagem e por um processo destinado a reduzir a umidade, bem como os níveis de cálcio e magnésio. Em seguida, esse sal de menor umidade é enviado para a refinaria, onde passa por moagem para diminuir o tamanho dos grãos e por secagem para reduzir ainda mais o teor de umidade. Dependendo da finalidade do produto, pode receber adição de iodo e ferrocianeto de sódio (um antiumectante).

    O principal mineral presente no sal refinado é o cloreto de sódio. Embora antes do refino o sal contenha outros minerais, como cálcio (Ca), potássio (K) e magnésio (Mg), esses são geralmente removidos durante o processo de refino. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo ideal de sal diário deve ser de 5g (equivalente a 2g de sódio).

    Os sais gourmet — como sal integral, marinho, rosa do Himalaia, entre outras variações — apresentam diferentes colorações e tiveram um grande aumento na demanda nos últimos anos, sendo promovidos como opções mais saudáveis. Esses sais não passam pelo processo de refino e, por conta disso, podem conter quantidades maiores de elementos minerais, para além do simples cloreto de sódio. No entanto, essa característica também implica a possibilidade de contaminação por elementos potencialmente tóxicos, como metais pesados.

    Este último aspecto foi o foco do artigo mencionado acima, no qual Di Salvo, E. e colegas investigaram o teor de 12 elementos minerais com propriedades potencialmente benéficas ou tóxicas, em 10 amostras de sais gourmet comercialmente disponíveis em diferentes mercados de Messina (sul da Itália) em maio de 2022.

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    Os resultados mostraram que a concentração de elementos minerais variou de acordo com o tipo de sal e sua origem geográfica, possivelmente devido ao perfil e à qualidade do solo e da rocha de onde o sal foi extraído. O sal rosa do Himalaia foi considerado o mais “puro” entre os analisados, apresentando a menor chance de contaminação por chumbo.

    Devido à variação encontrada, os autores destacam a importância de buscar sais gourmet que apresentem baixos níveis de substâncias potencialmente tóxicas, como chumbo e mercúrio. Além disso, é crucial prestar atenção na concentração de minerais presentes em cada tipo de sal, visto que alguns deles — mesmo quando consumidos na quantidade recomendada pela OMS, que é de 5 g — podem exceder significativamente a ingestão diária considerada saudável.

    Os autores sugerem que, dependendo da população-alvo, a utilização de uma variedade específica de sal pode ser tanto benéfica quanto deletéria. Por exemplo, em um cenário em que um paciente com osteopenia (diminuição gradual da massa óssea) precise aumentar seu aporte de cálcio, a substituição do sal refinado pelo sal azul da Pérsia, rico nesse mineral, poderia ser viável. Por outro lado, para um paciente com síndrome de alergia ao níquel, a troca do sal refinado pelo sal azul da Pérsia poderia trazer efeitos adversos graves.

    Deixando claro, considero esse um estudo importante. Mas discordo com a ideia dos autores de “um tipo de sal para cada tipo de doença”. De fato, sob uma perspectiva exclusivamente nutricional, a proposta feita pelos pesquisadores e por muitos gurus da internet é extremamente irresponsável. Nem todo problema de saúde é causado por deficiência nutricional, e os que são precisam ser tratados por mudança de dieta ou suplementação específica, caso a caso.

    Para não restar dúvidas, embora o estudo a seguir não tenha comparado o consumo de água com sal refinado e água com sal integral, Loyola, I. e colegas publicaram um artigo intitulado “Comparação entre os Efeitos da Ingestão de Sal do Himalaia e de Sal Comum sobre os Valores de Sódio Urinário e Pressão Arterial em Indivíduos Hipertensos”. O objetivo do estudo foi comparar o impacto da ingestão de sal do Himalaia (SH) e sal de mesa (SM) sobre a pressão arterial e as concentrações urinárias de sódio e potássio em indivíduos hipertensos. O estudo envolveu um número pequeno de voluntários por pouco mais de dois meses, e o resultado foi: nenhuma diferença significativa.

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    Por fim, é importante salientar que, além da ausência de diferenças significativas nos parâmetros clínicos entre o consumo de sal do Himalaia (SH) e sal de mesa (SM), o SH custa até 30 vezes mais que o SM, o que pode ser um impeditivo para pessoas com rendas familiares mais baixas.

    Apesar de uma série de limitações, o estudo, ao menos, desmantela a ideia falaciosa de que a simples substituição de um tipo de sal por outro é sempre mais saudável e traz benefícios a todas as pessoas.

    Hipertensão arterial

    Diferentemente do que Batmanghelidj defende em seu livro, a hipertensão arterial não é uma doença decorrente da deficiência de água.

    A Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) publicou, em agosto deste ano, o documento “2024 ESC Guidelines for the Management of Elevated Blood Pressure and Hypertension“.

    Segundo este documento, a hipertensão envolve interações complexas entre diversos fatores: ambientais, comportamentais (atividade física, obesidade, genéticos, socioeconômicos e psicossociais), além da interação entre diversos sistemas orgânicos e mecanismos vasculares.

    A hipertensão prolongada pode causar danos a diferentes órgãos e, eventualmente, levar ao desenvolvimento de doenças renais — tanto agudas quanto crônicas — cardiovasculares (como doença isquêmica e insuficiência cardíaca) e cerebrovasculares (como declínio cognitivo e derrame). Só para termos uma noção da magnitude do problema, em 2021, utilizando como fonte o portal “gov.br“, a taxa de mortalidade por hipertensão no Brasil atingiu seu maior valor, com 18,7 óbitos por 100 mil habitantes. Considerando uma população de 212,6 milhões, isso significa quase 40 mil mortes.

    Os fatores comportamentais, nutricionais e ambientais que influenciam a distribuição populacional da pressão arterial permanecem incertos, principalmente devido à dificuldade de medi-los com precisão.

    Há medicamentos recomendados para controle da hipertensão, e também intervenções não farmacológicas. A força-tarefa da Sociedade Europeia de Cardiologia identificou que um dos principais fatores subjacentes ao aumento da pressão arterial e da hipertensão na população adulta em geral é um estilo de vida não saudável.

    Dentre as intervenções relacionadas a estilo de vida, temos a redução da ingestão de sal. Embora alguns estudos apresentem dados conflitantes sobre os desfechos de doenças cardiovasculares, uma metanálise evidenciou uma relação quase linear de dose-resposta entre a ingestão de sódio e a redução da pressão arterial. Essa relação sugere que, à medida que a ingestão de sódio diminui, a pressão arterial tende a cair de forma consistente.

    Além disso, foram observadas evidências causais que demonstraram a redução do risco de doenças cardiovasculares associadas à restrição de sódio, especialmente ao utilizar substitutos de sal enriquecidos com potássio. Esses substitutos não apenas ajudam na redução do sódio na dieta, mas também promovem a ingestão de potássio, que é benéfico para a saúde cardiovascular.

    Com base nas diretrizes, recomenda-se restringir a ingestão total de sódio dietético a aproximadamente 2 g/dia ou menos. Essa quantidade inclui tanto o sal adicionado às preparações quanto o sódio já presente nos alimentos, especialmente nos alimentos processados. Para a população geral, com níveis normais de pressão arterial, uma meta de ingestão de 2g a 4 g/dia de sódio pode ser viável.

    Em seguida, temos a ingestão dietética ideal de potássio, principalmente através de dietas ricas em frutas e vegetais. O potássio traz efeitos benéficos na redução da pressão arterial e está associado a um menor risco de doenças cardiovasculares. A OMS recomenda uma ingestão diária de 3,5 g/dia. Entretanto, é essencial evitar a suplementação excessiva, uma vez que indivíduos com doença renal crônica (DRC) avançada devem limitar a ingestão de potássio a menos de 2,4 g/dia.

    As recomendações para exercícios incluem pelo menos 150 minutos semanais de atividade aeróbica moderada, ou alternativamente, 75 minutos de exercícios de alta intensidade distribuídos em 3 dias. Para benefícios adicionais, até 300 minutos de aeróbicos moderados ou 150 minutos de alta intensidade são sugeridos semanalmente, combinados com treinamento de resistência de baixa a moderada intensidade 2 a 3 vezes por semana. É fundamental considerar, ao prescrever exercícios, fatores como idade, sexo, etnia, comorbidades e preferências individuais. Caso os valores de pressão arterial sistólica e diastólica estejam acima de 200 mmHg e 110 mmHg, respectivamente, a prática de exercícios de alta intensidade deve ser abordada com cautela.

    Quanto à obesidade e dietas, estudos mostram que uma perda média de 5 kg de peso corporal está associada a uma redução de 4,4 mmHg na pressão arterial sistólica e 3,6 mmHg na diastólica. Além disso, dados indicam que, a partir de um índice de massa corporal (IMC) de 40 kg/m², uma perda de peso média de 13% está relacionada a uma redução de 22% no risco de hipertensão.

    Dietas baseadas em evidências, como a DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension), são recomendadas para pacientes hipertensos, visando reduzir a pressão arterial e o risco cardiovascular. Assim, é recomendado adotar uma dieta saudável e equilibrada, mantendo um IMC entre 20 e 25 kg/m² e uma circunferência de cintura inferior a 94 cm para homens e 80 cm para mulheres.

    Claro, as diretrizes não são perfeitas e podem evoluir à medida que novas evidências surgem.

    Contudo, é importante notar que, em nenhum momento, ao tratar da relação entre cloreto de sódio e hipertensão, foi mencionado que beber água com sal integral teria algo a ver com a regulação da pressão arterial ou que a substituição do sal refinado tradicional por sal do Himalaia ou “integral” traria benefícios.

    É verdade que, apesar dos inúmeros avanços, tanto no entendimento da condição quanto no desenvolvimento de fármacos e de medidas não farmacológicas, dados do Ministério da Saúde indicam que não estamos, como sociedade, em uma posição confortável em relação à hipertensão.

    Entretanto, isso não é motivo para dar as costas às evidências e recorrer ao discurso negacionista proferido por gurus da saúde que afirmam falsamente que o sal integral não causa hipertensão e que uma dieta hipossódica pode piorar ainda mais o quadro da pressão arterial, ao mesmo tempo em que vendem ou promovem marcas de sal integral e de suplementos.

    * Mauro Proença é nutricionista e colaborador da Revista Questão de Ciência, onde este artigo foi originalmente publicado

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