Na acelerada busca por um remédio contra a Covid-19, um medicamento tem recebido atenção especial, e saiu na frente na mais decisiva corrida científica de toda uma geração: o remdesivir, um antiviral que já foi usado para tratamento do ebola e da MERS (Síndrome Respiratória de Coronavírus do Oriente Médio). Nesta quinta-feira, 16, minutos depois de a farmacêutica americana Gilead, da Califórnia, divulgar os resultados iniciais de um estudo com a droga em pacientes graves com a Covid-19, deu-se rápida subida na Bolsa de Valores das ações da companhia – houve um salto de 14%. Na Ásia e na Europa ocorreu intensa e inédita procura pelos papéis da empresa. O rastilho de entusiasmo foi dado a partir de um conjunto de anúncios. No primeiro deles, a Gilead informou que, em um grupo de 125 doentes em Chicago – 113 em estado grave –, todos receberam alta, depois de apresentarem rápida melhora no trato respiratório e redução de febre. Deixaram o hospital depois de apenas uma semana de tratamento.
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Um outro trabalho, cujos resultados foram publicados na reputada revista científica New England Journal of Medicine (NEJM) também apontou boas respostas com o remdesivir. Um grupo de 53 pacientes afetados pela Covid-19 recebeu por via intravenosa 200mg do antiviral e, depois, foi tratado ao longo de dez dias com 100mg da droga. Depois de dezoito dias, 68% dos enfermos apresentaram melhora na condição clínica – entre os trinta casos mais graves, que estavam sendo controlados por meio de ventilação mecânica, na UTI, dezessete tiveram recuperação completa, a ponto de deixar o quarto de tratamento intensivo. Do grupo inicial, treze pacientes morreram. Do ponto de vista médico, a estatística é realmente promissora. A cautela, contudo, dado o desconhecimento completo do total funcionamento da doença e os modos de tratá-la com total eficácia, se impõe, como costuma acontecer na boa medicina. “Não é possível ainda tirar conclusões definitivas, mas há um nítido caminho de avanços a partir dos resultados com esse grupo de teste”, disse o americano Jonathan Grein, de Los Angeles, um dos líderes da experimentação, em um comunicado distribuído pela Gilead, a empresa farmacêutica americana. Há, ainda, desconfiança em torno da real resposta do organismo ao remdesivir nos casos de covid-19 – não se trata, insista-se, de crítica barata, parte da guerra pela corrida da cura. É sempre a ciência pressionando por respostas ancoradas em certezas, e não em impressões, em movimento saudável. “Os dados que constam do estudo são quase impossíveis de interpretar”, disse Stephen Evans, professor na London School of Hygiene and Tropical Medicine para a agência de notícias Bloomberg. Com o tempo – e a velocidade é um dos pré-requisitos na eclosão de pandemias – em poucas semanas haverá uma definição mais clara do poder do remdesivir, a medicação que, sem dúvida alguma, aparece hoje no pódio entre as que abrem uma janela de esperança.
Insista-se, contudo, na imposição de mais investigação, e os próprios especialistas que trabalham para a Gilead reforçam o cuidado. Eles deixaram claro que fizeram um chamado “teste aberto”, por meio do qual todos os pacientes sabiam estar tomando remdesivir – costuma-se exigir, para resultados definitivos, os “grupos de controle”, com ingestão de placebos, de modo a se obter evidências mais nítida da ação do remédio. São os estudos clínicos denominados de “duplo cego”, em que nem o examinado (o doente) nem o examinador (o médico) sabem o que está sendo usado. A Gilead já deflagrou estudos com esse rigor, em todo o mundo, mas os resultados ainda devem demorar a surgir. Há um outro nó: mesmo que o remdesivir tenha bom desempenho nesses ensaios controlados, ainda restam dúvidas se a Gilead poderá produzir a droga em escala suficiente para satisfazer a demanda global – e nem mesmo a participação de outras empresas pode vir a atender a necessidade, a curto prazo.
E, no entanto, apesar dos obstáculos, que se impõem e não podem ser subtraídos, o remdesivir atrai interesse, como poderoso imã, e ganhará novos contornos nos próximos dias. Não por acaso, o antiviral é um dos quatro compostos escolhidos pelo programa Solidariedade, da Organização Mundial de Saúde (OMS), para fazer parte de um grupo de pesquisas com mais dinheiro e mais profissionais envolvidos – os outros três são o HIV-Kaletra (composição entre o lopinavir e o ritonavir), usados no combate à aids; o interferon-beta, aplicado em casos de artrite reumatoide; e a cloroquina, a já famosíssima cloroquina e sua versão atenuada, a hidroxicloroquina, eficiente no controle da malária, e que no Brasil se transformou também em droga da ideologia. Não parece ser esse o breve futuro do remdesivir, uma droga aparentemente imune a brigas constrangedoras e inúteis.