Tive os primeiros sintomas de infecção por coronavírus na quarta-feira 11. Passava um pouco da 1 da manhã quando desliguei o videogame e tentei dormir, mas não consegui. Sentia dor no corpo, tinha coriza e uma febre que me fazia bater os dentes. Parecia uma gripe, como as outras que já tive. Não conseguia me levantar da cama. Algumas horas mais tarde, minha mãe apareceu na porta do quarto, me deu uma máscara e pediu que eu procurasse um hospital. Fui até o Hospital Albert Einstein, mas, como estava lotado, com dezenas de pessoas em situação parecida com a minha, fui atendido só depois de cerca de cinco horas. Fiz o exame específico para coronavírus e influenza — puseram um coletor no meu nariz e na minha garganta. Após o teste, a médica disse que eu poderia voltar para casa, desde que ficasse em total isolamento.
Recebi o diagnóstico positivo 26 horas depois, e desde então não saí do meu quarto, de pouco mais de 20 metros quadrados. Moro com minha família e a cadela golden retriever Nalu no bairro do Brooklin, em São Paulo. Penso em coronavírus o dia inteiro e tenho medo de começar a sentir falta de ar porque disseram ser muito forte. Mesmo assim, tento ficar tranquilo. Passo os dias jogando videogame (principalmente jogos de tiro, como o Call of Duty, para descontar a raiva) e comecei a ler o livro F*deu Geral, do mesmo autor de A Sutil Arte de Ligar o F*da-se. Dou graças a Deus, porque já gostava de passar um tempo no videogame. Também aproveitei para fazer um pouco de home office e organizar meus e-mails de trabalho — sou sócio de uma corretora de seguros. No final da semana passada, acordei, vi que o céu estava lindo e só conseguia pensar: “Que ódio, não vou poder sair daqui”. Senti saudade até da faculdade.
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Clique e AssineTambém ocupo meu tempo respondendo às mensagens que enviam para mim nas redes sociais. Falo sobre o coronavírus no Stories do Instagram e já cheguei a cronometrar uma nova mensagem a cada cinco segundos. Tenho cerca de 9 000 não lidas, recebo perguntas (já pediram até que eu explicasse o que é coriza) e recados solidários de gente que nunca vi na vida.
Um dia desses estava gravando um vídeo na varanda compartilhada entre os quartos da casa e vi minha mãe a uma distância de 5 metros. Disse a ela: “É bom ver o seu rosto”. Minha mãe é quem traz o almoço e o jantar para mim no quarto. Sempre que tenho fome, aviso pelo FaceTime. Assim que ela bate à porta, esterilizo as mãos, ponho a máscara, abro a porta (nessa hora ela já não está mais lá) e pego a comida. Depois de me alimentar, volto a passar álcool em gel nas mãos, jogo um spray desinfetante no que sobrou e deixo do lado de fora do quarto. Assim que acabar o tempo de isolamento, quero dar um abração na minha mãe e no meu pai. Quero muito viajar para visitar minha namorada, que mora em Campo Grande e também foi infectada pelo coronavírus. Combinamos assistir juntos à série Peaky Blinders, na Netflix.
Acho que tive contato com a doença quando fui deixá-la no aeroporto, depois de uma viagem que fizemos com amigos ao Rio de Janeiro. Pessoas que se encontraram comigo na faculdade e em reuniões sociais enviaram mensagens, algumas preocupadas, outras brincando, porque teriam de fazer home office por minha culpa. Ouvi dizer que, por apresentar sintomas leves, eu não deveria ter procurado o hospital, mas moro com pessoas mais velhas e pensei nelas. Sou jovem, estou ótimo, para mim não há problema, isso tudo logo vai passar. Dentro de casa, acompanho o que corre pelo mundo e posso dizer: é hora de manter a calma, ter cautela e, claro, cultivar o bom humor, se possível.
Depoimento dado a Mariana Rosário
Publicado em VEJA de 25 de março de 2020, edição nº 2679