Por que os homens têm cada vez menos espermatozoides?
Estudos mostram queda na qualidade do sêmen ao longo dos anos em todo o mundo, inclusive o Brasil. Stress, obesidade, poucas horas de sono e poluição do ar, entre outros fatores ligados à vida moderna, podem ser os culpados
Nos últimos anos, estudos de diversos países chegaram a uma conclusão preocupante: a quantidade e a qualidade dos espermatozoides no sêmen dos homens estão diminuindo. Ainda não é possível afirmar se a fertilidade está sendo afetada por esse fenômeno, mas essa redução não deixa de ser alerta importante sobre a saúde masculina. O sêmen é considerado um “termômetro” da saúde do homem, de forma que a queda na sua qualidade, mesmo que não implique em dificuldades de reprodução, não é um bom sinal.
Um dos estudos mais relevantes, realizado com 26.609 homens na França e publicado em dezembro do ano passado no periódico Human Reproduction, mostrou uma redução de 32% na concentração dos espermatozoides em um período de 17 anos. A média para homens de 35 anos de idade caiu de 73,6 milhões por mililitro de sêmen para 49,9 milhões.
Na Espanha, um estudo comparou 273 amostras de sêmen de 2001 e 2002 com 215 amostras de 2010 e 2011 e observou uma redução na concentração de espermatozoides de 72 milhões por mililitro de sêmen para 52,1. A Finlândia mostrou um padrão parecido: um estudo com 858 homens mostrou que a concentração espermática, que em 1998 era de 67 milhões por mililitro de sêmen, caiu para 48 milhões em 2006.
Além da quantidade de espermatozoides por mililitro, denominada concentração espermática, outros fatores importantes para a qualidade do sêmen são a motilidade e a morfologia. A primeira se refere à capacidade de movimentação do espermatozoide: aqueles com mais chances de realizar a fecundação são os que “nadam” rápido e em linha reta. Já a morfologia se refere à forma do gameta, como o tamanho da cabeça em relação à cauda.
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Um estudo realizado na Dinamarca e publicado no periódico British Medical Journal (BMJ), concluiu que apenas um quarto dos homens tinha qualidade espermática ideal, levando em consideração os fatores explicados acima. A pesquisa contou com a participação de 4.867 homens, com idade média de 19 anos, e mostrou também que um em cada quatro homens deve levar um tempo prolongado para conseguir engravidar a parceira e 15% apresentam alto risco de precisar de tratamento de fertilidade.
No Brasil, um estudo realizado por pesquisadores da clínica de reprodução assistida Fertility analisou 2.300 amostras de sêmen de homens com idade média de 35 anos, com um intervalo de 10 anos (743 amostras de 2000-2002 e 1536 de 2010-2012). Os resultados mostraram uma redução na concentração de espermatozoides por mililitro de 61,7 milhões para 26,7. A quantidade de espermatozoides morfologicamente normais caiu de 4,6% para 2,7%.
Edson Borges, especialista em reprodução humana e Diretor Cientifico da clínica Fertility, que coordenou o estudo, explica que os números brasileiros são menores do que os resultados dos outros países porque a pesquisa foi realizada com homens que procuraram a clínica para tratamento de fertilidade, o que significa que a probabilidade de que eles já apresentem uma quantidade menor de espermatozoides é maior. Ainda assim, a tendência de queda observada é semelhante a dos outros estudos.
A pesquisa, que será apresentada no Congresso Anual da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE), em julho de 2013, mostra também um aumento na azoospermia, ausência de espermatozoides no sêmen. No período estudado, a quantidade de homens com esse quadro aumentou de 4,9% para 8,5%. Além disso, foi encontrado um aumento na quantidade de homens com alteração seminal grave (problemas na concentração, morfologia e mobilidade dos espermatozoides): de 15,7% para 30,3%.
Mudança de parâmetros – Em 2010, os parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para análise do sêmen se tornaram menos rígidos. A partir dessa data, a concentração mínima de espermatozoides por mililitro de sêmen para o homem considerado normal passou de 20 milhões, no manual de 1999 da OMS, para 15. Já a porcentagem mínima necessária de gametas considerados morfologicamente normais passou de 14% para 4%
Isso significa que os homens com concentração espermática entre 20 e 15 milhões de espermatozoides, por exemplo, que antes seriam considerados abaixo do normal e, por isso, deveriam realizar diversos exames para determinar as causas da concentração baixa, passam a ser considerados pacientes dentro da média. Para Conrado Alvarenga, urologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e do Hospital Sírio Libanês, o impacto dessa modificação ainda é incerto, mas pode levar a um atraso na busca por ajuda médica. De acordo com ele, cerca de 40% de homens com espermograma alterado antes de 2010 passaram a ser considerados normais.
A redução nos valores de normalidade para os parâmetros seminais ocorreu devido aos resultados de um estudo multicêntrico, realizado pela própria OMS, que mostrou que os valores encontrados na média dos homens considerados férteis eram menores do que aqueles que estavam sendo adotados como normais. “Antes de 2010 era comum os médicos sentirem que os critérios da OMS eram muito rígidos. A gente via vários homens nos consultórios que conseguiam engravidar a esposa mesmo estando abaixo dos valores determinados”, diz Conrado. “O estudo de 2010 mostrou para o mundo que os valores normais não são tão altos quanto se achava antes.”
Uma crítica feita por especialistas ao estudo da OMS é o fato e que ele não incluiu amostragem de participantes latinos, de modo que é possível que os valores continuem inadequados para a população desses países, inclusive o Brasil.
De acordo com Aguinaldo Nardi, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), a entidade está desenvolvendo um estudo que busca descobrir os valores normais de espermograma dos brasileiros, que deve ficar pronto em cerca de 10 meses. “O estudo também servirá para futuras comparações em relação à qualidade e quantidade de espermatozoides no sêmen”, diz Aguinaldo.
Fertilidade – Segundo a definição da OMS, um homem só pode ser considerado infértil se ele não consegue engravidar sua companheira (desde que ela seja normal no que se refere à fertilidade) em até 12 meses de tentativa, uma vez que esse é o período em que 90% dos casais conseguem atingir o objetivo. Isso significa que um homem não pode ser considerado infértil com base nos resultados da análise de sêmen, a não ser em casos extremos, como a azoospermia, ausência total de espermatozoides no sêmen ejaculado.
Por essa razão, apesar das diversas evidências científicas apontando para a redução na quantidade e piora na qualidade dos espermatozoides, ainda não se pode afirmar se isso provocou ou não o aumento da infertilidade. “Os estudos são realizados com base em espermogramas. Esse exame não é um carimbo de fértil ou infértil, ele é um sinal indireto de que alguma coisa não está bem”, explica Conrado. “Um individuo com concentração espermática menor que 15 milhões por mililitro de sêmen, por exemplo, não é infértil. Ele pode engravidar a esposa, mas ele pode demorar mais que um ano, ou pode ser que ele tenha dificuldades mesmo.”
De acordo com os especialistas, o aumento da procura por tratamentos para infertilidade e reprodução assistida também é uma realidade, mas ainda não é possível avaliar o impacto que a queda na qualidade dos espermatozoides pode ter nesse crescimento. Outros fatores, como as mulheres estarem engravidando cada vez mais tarde e um aumento do poder aquisitivo de classes mais baixas, que tornou esse tipo de tratamento mais acessível do que no passado, podem ter um peso maior nesse aumento do que a queda na qualidade seminal.
Alerta – Os dados existentes até o momento, apesar de não demonstrarem um comprometimento da fertilidade, são motivo de preocupação para os especialistas. Além de suas funções reprodutivas, o sêmen é considerado uma espécie de termômetro para saúde do homem, de forma que a queda da sua qualidade pode ser um reflexo de outros problemas de saúde. “Será que a piora na qualidade seminal não é um reflexo da piora da saúde no mundo, mesmo nos países desenvolvidos?”, questiona Conrado Alvarenga.
Para os especialistas, tudo indica que a resposta é positiva, e as possíveis causas estão associadas àquilo que se convencionou chamar de “vida moderna”. “O estereótipo do homem moderno é aquele mais gordinho, estressado, ejaculador precoce, muitas vezes impotente, que não tem tanto interesse sexual e que está as três da manhã checando o celular. Esse homem pode ficar cada vez mais infértil”, afirma Conrado.
Carlos Petta, coordenador do Centro de Reprodução Humana do Hospital Sírio-Libanês, relaciona as causas dessa redução com a vida nas grandes cidades: “Essa situação é quase um retrato dos homens de cidade grande. Muitas vezes esses efeitos são maiores nas grandes cidades, porque o estilo de vida que a gente tem hoje é pior do que era há vários anos atrás. Só numa cidade como São Paulo, em termos de poluição, o quanto essa poluição está afetando várias funções do nosso organismo, inclusive a produção e qualidade dos espermatozoides?”
Estilo de vida – As principais causas apontadas por especialistas para a queda na qualidade do sêmen são: poluição do ar, obesidade, estresse, consumo de bebidas alcoólicas, cocaína e crack, tabagismo, alimentação deficiente e sedentarismo. Esses fatores, que mais recentemente têm sido relacionados com prejuízos na produção de gametas, já são conhecidos há mais tempo por serem prejudiciais para a saúde e a qualidade de vida.
A obesidade e o sedentarismo, por exemplo, ajudam a intensificar a conversão de hormônio masculino (testosterona) em hormônio feminino (estrogênio) no homem. Uma quantidade elevada de gordura na região do púbis também ajuda a elevar a temperatura dos testículos, o que é prejudicial para a espermatogênese. Além disso, tanto a obesidade quanto o stress provocam um desequilíbrio hormonal, que exerce efeitos negativos sobre a produção dos espermatozoides.
A relação entre a obesidade e a piora da qualidade seminal foi observada por um artigo de revisão, que analisou 21 estudos sobre o assunto, publicado em dezembro de 2012 no periódico Human Reproduction. A pesquisa concluiu que tanto a obesidade quanto o fato de estar acima do peso estão relacionados com o aumento da prevalência de azoospermia.
Já a poluição do ar, tabagismo e uso de drogas, como a cocaína e o crack, provocam o aumento da produção de substâncias que são tóxicas para os testículos, enquanto uma alimentação deficiente leva à diminuição da produção de antioxidantes, que combatem os radicais livres e seus efeitos negativos na produção dos espermatozoides.
Previsões – A maior parte dos estudos sobre o assunto ainda é muito recente, e mais pesquisas serão necessárias para que se possa ter uma ideia mais clara da dimensão que essa redução da qualidade do sêmen pode atingir no futuro.
“Não deu tempo ainda de falar ‘temos dez anos de estudos mostrando que o homem moderno está ficando infértil’. Tudo está surgindo agora, 2012, 2010, para a ciência é ontem, é muito recente”, afirma Conrado Alvarenga. “A gente está acompanhando a queda nos parâmetros seminais no dia a dia.”
Para Daniel Zylberstejn, urologista e assessor técnico de análise seminal do laboratório Fleury Medicina e Saúde, o potencial reprodutivo do homem é um fator decisivo para determinar o quanto ele será afetado pelos estímulos externos. “Ainda é difícil de entender o quanto isso pode significar uma perda de potencial reprodutivo no futuro. Provavelmente aqueles que já nascem com potencial baixo podem ser mais afetados por esses agravos, mas talvez esses fatores não causem tantos efeitos naquele homem que tem potencial reprodutivo muito alto”, afirma.
Se, por enquanto, a queda na qualidade seminal não pode ser considerada um problema reprodutivo, ela é mais um sinal de que hábitos pouco saudáveis, principalmente os relacionados ao estilo de vida moderno, podem afetar a saúde de diversas formas. “Essa redução pode ser transitória e melhorar. Mas é óbvio que a vida moderna traz consequências ruins para os espermatozoides”, afirma Aguinaldo Nardi.