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Pesquisadores da USP vão estudar cérebro de atletas

A ideia é ampliar banco de cérebros para explorar a encefalopatia traumática crônica, doença degenerativa ligada a esportes como boxe e futebol americano

Por Natalia Cuminale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 out 2018, 18h20 - Publicado em 9 out 2018, 15h47
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  • Pesquisadores da Universidade de São Paulo pretendem ampliar o banco de cérebros humanos com órgãos cedidos por familiares de esportistas brasileiros, como jogadores de futebol e boxe. O objetivo é estudar a encefalopatia traumática crônica, doença neurodegenerativa que acomete principalmente atletas de esportes violentos, e contribuir com as pesquisas ao redor do mundo. Na semana passada, os cientistas firmaram uma colaboração para a captação de órgãos com a Universidade de Boston e com a organização Concussion Legacy Foundation. “É um passo importante para que possamos avançar no conhecimento da doença. A partir do estudo dos cérebros, será possível descobrir como preveni-la e também a entender como tratar as pessoas já diagnosticadas”, disse a VEJA Chris Nowisnky, presidente da entidade e ex-atleta.

    O único banco de cérebros do país fica na USP. O Brasil tem um caso famoso de encefalopatia traumática crônica no futebol: o zagueiro Hideraldo Luís Bellini, capitão da seleção de 1958. O diagnóstico foi confirmado somente em 2014, depois de sua morte, após uma análise do cérebro. “Precisamos conscientizar as pessoas porque é importante doar os órgãos para a pesquisa”, explica o neurologista da USP Renato Anghinah.

    Inicialmente batizada como demência pugilística, a encefalopatia traumática crônica foi descrita pela primeira vez em 1928 num artigo da revista científica The Journal of American Medical Association (Jama) assinado pelo patologista americano Harrisson Martland. Seu estudo baseou-se em lutadores de boxe vítimas de tremores típicos do Parkinson, vertigem e alterações cognitivas, características do Alzheimer. Em 1957, estabeleceu-se que os primeiros sintomas da doença tendem a aparecer, em média, dezesseis anos depois do fim da carreira nos ringues. Há a suspeita de que o Parkinson de Muhammad Ali seja, na realidade, encefalopatia. Nove em cada dez pugilistas profissionais apresentam lesões cerebrais permanentes, decorrentes dos socos.

    Há modalidades em que o risco a danos cerebrais é ainda maior. Em 2002, a violência do futebol americano começou a ser questionada. Depois de fazer a análise do cérebro do jogador Mike Webster, do Pittsburgh Steelers, o patologista nigeriano Bennet Omalu, da Universidade da Califórnia, alertou para os perigos do esporte no desenvolvimento de problemas neurodegenerativos. Conhecido como Iron Mike e considerado por muitos como o melhor jogador da liga nacional de futebol americano, Webster apresentava um quadro de demência, depressão e amnésia, quando morreu aos 50 anos, em 2002.

    Ex-atleta de WWE (World Wrestling Entertainment), um tipo de luta livre misturada com entretenimento, Nowinksy também foi vítima de um trauma que deixou consequências até os dias de hoje. Por telefone, ele contou como o problema o motivou a estudar o tema. Confira abaixo a entrevista concedida a VEJA:

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    Chris Nowinski
    Chris Nowinski (Eugene Gologursky/Players Against Concussions/Getty Images)

    Você teve uma concussão severa. Como isso aconteceu? Foi durante uma batalha de WWE. Recebi um chute muito forte. Quando caí no chão, percebi que não me lembrava onde estava. Não sabia o que fazer, estava muito confuso. Tive dores de cabeça que nunca havia tido antes, mas continuei. Depois da partida, comecei a me sentir um pouco melhor, mas ainda não estava totalmente bem. Não fui completamente honesto sobre como estava me sentindo.

    O que disse o médico na ocasião? Primeiro, fui examinado pelo treinador, depois pelos médicos. Mas ninguém realmente entendia o que estava errado. Mais tarde, um dos médicos fez uma análise completa e percebeu que eu fui submetido a concussões por toda a minha carreira. E nunca cuidei disso.

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    Como isso impactou na sua vida?  Por cerca de dez anos, tive dores de cabeça praticamente todos os dias. Não conseguia dormir normalmente, precisei tomar remédios por muito tempo. Hoje em dia, tenho dificuldade para me exercitar sem sentir náuseas.

    Por que você decidiu trabalhar com esse tema? Quando me machuquei, eu me aprofundei na história da concussão. Escrevi um livro sobre o tema em 2006, mas foi difícil fazer com que as pessoas prestassem atenção, principalmente porque a concussão é um machucado invisível. Fiquei sabendo de dois atletas com encefalopatia traumática crônica e pensei que seria mais fácil conscientizar as pessoas a partir disso. Minha esperança era conseguir fazer com que as pessoas enxergassem como essas batidas na cabeça podem levar a doenças. Assim, seria possível levar o problema mais a sério.

    É difícil convencer as pessoas a doar um cérebro? Hoje em dia, não. Na verdade, na maior parte, os cérebros que recebemos atualmente são de pessoas cujas famílias nos procuram. No começo, eu tinha que ligar para viúvas ou filhos de pessoas que haviam morrido. A pesquisa avançou tanto que todos querem contribuir agora. Os cérebros doados para o nosso banco são de pessoas com histórico de traumas, mas principalmente de esportes. Dois terços deles foram diagnosticados com encefalopatia traumática crônica.

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    O senhor acredita que os protocolos de concussão são de fato respeitados? Em alguns locais sim, mas não globalmente. Um grande exemplo foi a Copa do Mundo em que vários jogadores continuaram jogando apesar de sinais claros de concussão.

    Qual é o próximo passo? Temos avançado no conhecimento de doenças degenerativas como o Alzheimer. O nosso próximo passo é saber como diagnosticar a doença nas pessoas enquanto elas estão vivas. Vamos aprender como fazer o diagnóstico precoce a partir do estudo nos cérebros daqueles que já morreram.

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