Quem entrar numa unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal agora poderá se surpreender com um profissional à beira do leito usando óculos de realidade virtual para atender a um recém-nascido. O dispositivo, que permite ao médico checar dados do paciente e seguir o passo a passo de procedimentos guiados em tempo real sem se afastar da criança, é apenas uma das inovações utilizadas por uma startup nacional a fim de intervir de forma rápida e precisa nos pequenos hospitalizados em estado de alto risco. A missão da PBSF, sigla em inglês para Protegendo Cérebros, Salvando Futuros, se revela no nome. Seu objetivo é dar a melhor assistência aos bebês que sofreram algum grau de falta de oxigenação durante ou após o parto — situação que afeta cerca de 20 000 crianças no Brasil anualmente. Para apoiar UTIs de norte a sul — inclusive em outras nações —, a empresa aposta em um sistema de monitoramento remoto dos sinais vitais e cerebrais, com suporte de inteligência artificial (IA).
A asfixia perinatal, quadro provocado por problemas nos momentos próximos ao nascimento, chega a ser fatal em 25% dos casos e costuma deixar sequelas diversas, de paralisia cerebral a cegueira e surdez. Evitá-la ou mitigar seus danos é crítico para que as crianças tenham uma vida mais saudável e plena pela frente. O cuidado central para prevenir os piores desfechos é levar o recém-nascido a uma UTI neonatal e prover o atendimento certo na hora certa. Acontece que, pela falta de infraestrutura adequada e profissionais especializados, o Brasil pena para dar a guarida necessária. É aí que iniciativas como a PBSF fazem a diferença.
Trata-se, na verdade, de um movimento que ganha relevo no mundo todo. Um projeto pioneiro da Universidade do Sul da Austrália, por exemplo, aposta na IA e em câmeras ultrassensíveis para acompanhar os bebês — a ideia é inclusive abrir mão um dia dos sensores colados na pele deles. Para o período que antecede o parto, o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, implementou uma tecnologia portuguesa que permite automatizar e verificar em tempo real se o feto está em sofrimento, o que viabiliza condutas preventivas. Filosofia semelhante guia a PBSF, que já tem quase 10 000 crianças assistidas no currículo. Por meio de um centro de vigilância remota conectado a 49 hospitais públicos e privados, ela emite alertas às equipes locais, monitora o estado dos recém-nascidos por meio de parâmetros como fluxo sanguíneo, oxigenação e atividade elétrica do cérebro e instrui os profissionais na linha de frente a intervir. “Tudo isso permite uma análise mais rápida dos casos, o que, consequentemente, melhora a tomada de decisões”, afirma o neonatologista Gabriel Variane, fundador da PBSF. A meta é reduzir ao máximo o risco de lesões neurológicas permanentes.
Na lida diária, os algoritmos de IA entram em cena. O software consegue identificar prematuramente crises convulsivas — uma espécie de curto-circuito nervoso que nem sempre é perceptível em bebês prematuros. Até hologramas são convocados à UTI. Se um médico encontrar dificuldades em determinado procedimento, pode utilizar óculos de realidade virtual mista, que irão projetar, como um tutorial, os protocolos de atendimento à sua frente enquanto, com as mãos livres, ele pode manipular o bebê. O intuito é aumentar a eficiência e homogeneidade das práticas no leito. Além disso, os óculos estão conectados à internet e podem transmitir videochamadas, de modo que um profissional menos experiente consegue tirar dúvidas e receber orientações com um especialista a quilômetros de distância. “As ferramentas que aproximam de forma imersiva os cuidados na saúde permitem ultrapassar barreiras e tornam a assistência mais eficaz”, diz Variane.
Essas operações high-tech podem salvar crianças que sofrem com convulsões, uma situação capaz de impor danos cerebrais irrecuperáveis e nem sempre flagrada pelo olhar humano a tempo. Segundo estudo da PBSF com 296 bebês monitorados que tiveram uma crise neurológica, 72% dos casos não apresentaram sinais captados por uma avaliação clínica tradicional. Com o aparato da startup, porém, foi possível detectar e agir na hora. Os resultados animadores, reconhecidos internacionalmente, ensejam uma ambição ousada, mas auspiciosa: zerar o número de crianças com deficiências evitáveis no planeta.
Publicado em VEJA de 5 de abril de 2024, edição nº 2887