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“O único jeito de erradicar a pólio é com a vacina”, diz infectologista

Renato Kfouri diz que são raros os casos provocados pelo vírus vacinal. Suspeita no Pará está em investigação, mas estado afirma que não se trata da doença

Por Simone Blanes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 7 out 2022, 14h03 - Publicado em 7 out 2022, 08h14
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  • Depois de uma criança de 3 anos com paralisia testar positivo para o poliovírus – que causa a poliomielite, ou paralisia infantil, doença contagiosa aguda provocada por um vírus que vive no intestino e que pode infectar crianças e adultos por meio do contato direto com fezes ou com secreções eliminadas pela boca das pessoas infectadas, provocando ou não paralisia –, o Brasil acendeu um alerta.

    O último registro de poliomielite no país foi em 1989, na Paraíba. Agora, está sendo investigado pela Secretaria de Estado da Saúde do Pará (Sespa), que trata como “caso suspeito”. Integrantes do Ministério da Saúde (MS) também devem ir ao estado neste fim de semana, a fim de averiguar. “Outras hipóteses diagnósticas não foram descartadas, como síndrome de Guillain Barré, conforme o que é preconizado no Guia de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde”, informou um documento de Comunicação de Risco divulgado pelo Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs/Sespa), que ainda relatou que o menino, residente no município de Santo Antônio do Tauá, no interior do estado do Pará, teve o vírus identificado por análise de isolamento viral de fezes.

    O histórico vacinal do garoto também veio à tona. De acordo com informações divulgadas, ele não tinha recebido as vacinas inativadas no primeiro ano de vida, somente as duas vacinas de pólio oral, o que não é indicado. “Não é correto uma criança receber as gotinhas sem ter recebido a injetável em seu esquema vacinal primário”, explica Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) a VEJA. “A criança desenvolveu uma paralisia aguda logo depois de uma vacina oral e, portanto, pode ter sido pelo vírus ou por qualquer outra paralisia, como a causada pela síndrome de Guillain Barré. Mas isso ainda está a confirmar”, completa. Segundo o médico, é claro que a criança vai ter o vírus nas fezes por ter tomado a vacina oral, mas a paralisia pode ter sido apenas uma coincidência. “O importante agora é fazer o sequenciamento genético do vírus para ver se tem mutações, se reverteu sua virulência e se pode ter causado essa paralisia”, diz.

    Ainda de acordo com o infectologista, o problema maior é a baixa cobertura vacinal no país. “O recado principal é lembrar que o Brasil está sendo considerado de alto risco para a reintrodução da pólio porque não tem nenhum dos três pilares da imunização bem feitos: não tem uma boa cobertura vacinal, não faz vigilância ambiental para detectar os vírus que podem estar circulando no esgoto, por exemplo, e não investiga casos suspeitos de paralisia de forma correta”, explica Kfouri. “No caso do menino, se a paralisia começou em agosto, só vão colher exame em setembro, com resultado em outubro? Se tem um caso suspeito de paralisia flácida aguda que pode ser uma pólio, tem de investigar em 48 horas”, acrescenta.

    A paralisia flácida aguda (PFA), aliás, foi o diagnóstico anunciado pela Comunicação de Risco divulgado pelo Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde do estado do Pará, na noite desta quinta-feira, 6. “Através deste buscamos reiterar que o caso em questão não se trata de poliomielite, mas sim de um caso de paralisia flácida aguda suspeito de um evento adverso à vacina VOP que está em investigação”, informa a nota.

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    O infectologista salienta: “O que acontece é que, no caso das gotinhas, quando se faziam aqueles dias nacionais de imunização, ou seja, vacinava muita gente no mesmo dia, esse vírus vacinal acabava inundando o meio ambiente, já que é excretado nas fezes. Mesmo aqueles que não compareciam aos programas de vacinação acabavam imunizados indiretamente e, assim, se criava uma imunidade coletiva”, detalha o médico. “O que vimos acontecer, porém, é que, com a diminuição da vacinação, o vírus vivo que se multiplica no intestino e fica circulando no ambiente pode reverter sua virulência. Ou seja, um vírus atenuado para estimular a imunidade sem causar doença pode voltar a ser virulento e encontrar pessoas não vacinadas, causando uma paralisia pelo vírus vacinal.”

    Por isso, Kfouri é enfático em reiterar a importância da vacinação. “Tem de se vacinar, sim. A vacina traz muito mais benefícios do que os raríssimos riscos associado a ela, como todas as vacinas e todos os remédios”, afirma. Desde 2015 a cobertura vacinal da pólio em território nacional está abaixo do mínimo recomendado, de 95%, pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

    De acordo com o Ministério da Saúde, dados preliminares mostram que foram vacinadas 54,21% das crianças entre 1 ano e menores de 5 anos contra a doença. A Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite e Multivacinação de 2022 foi prorrogada até o dia 21 de outubro, mas, segundo o governo, “todas as vacinas que compõem o Calendário Nacional de Vacinação, incluindo o imunizante que protege contra a pólio, seguem disponíveis para a população brasileira durante todo o ano”.

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    O caso do Pará

    O menino de 3 anos começou a apresentar os primeiros sintomas, como febre, dores musculares, mialgia e paralisia flácida aguda (PFA), no dia 21 de agosto, até não conseguir mais se manter em pé, algumas semanas depois. O exame de fezes foi feito em 16 de setembro e enviado ao Laboratório de Referência do Instituto Evandro Chagas. Na terça-feira 4, saiu o resultado positivo para o vírus da poliomielite.

    “É indistinguível um caso de paralisia associada à vacina de um caso de paralisia pelo vírus selvagem. Então, para um dia eliminar de vez a paralisia infantil do mundo, a recomendação é se vacinar, mas primeiro fazer a imunização primária com as injeções de vírus inativados, e depois, nas próximas doses de reforço, utilizar a vacina oral, já que, enquanto se jogar um vírus no ambiente, mesmo que atenuado, a gente corre o risco dessa reversão da virulência”, detalha Kfouri. “O Brasil já fez boa parte dessa migração. As três primeiras doses são com a vacina inativada e as duas últimas doses de reforço de 15 meses e 4 anos são feitas com a Sabin (as gotinhas), o que garante que as nossas crianças recebam primeiro a inativada e não corram esse risco de circulação. E sem esquecer nosso grande dilema que é ter uma boa cobertura vacinal, até porque tanto faz se o poliovírus for selvagem ou vacinal, ninguém vai ter poliomielite se todo mundo estiver vacinado. Para a total erradicação, dependemos de uma imunização adequada por meio da vacina.”

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    Por enquanto, de acordo com o comunicado paraense, embora o cenário internacional e a avaliação de risco para poliomielite no Brasil sejam preocupantes, “reiteramos que o poliovírus Sabin Like 3 detectado no estado do Pará não altera o cenário epidemiológico evidenciado no território nacional, ou seja, não há casos confirmados em território brasileiro de poliomielite desde o ano de 1989, o país segue com a certificação de erradicação da referida doença desde 1994”.

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