O encerramento da Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional (PHEIC, na sigla em inglês) para a Covid-19, anunciado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) nesta sexta-feira, 5, não significa o fim da pandemia. O vírus SARS-CoV-2 continua em circulação e a vigilância precisa ser mantida. Diante da maior crise sanitária deste século com uma doença respiratória que matou quase 7 milhões de pessoas, especialistas têm discutido o uso do termo pandemia e a importância de o mundo se preparar para as futuras disseminações de doenças. Até porque há a certeza de que isso vai ocorrer. Para compreender a decisão da OMS e fazer um balanço dos últimos três anos, VEJA ouviu o infectologista e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) Renato Kfouri.
“O termo pandemia, na verdade, está sendo reavaliado. Está sendo estudado como serão denominadas as doenças. O exemplo clássico é o HIV (vírus causador da Aids), que continua sendo uma pandemia, apesar de não ser uma emergência em saúde internacional”, explica o infectologista. “É um momento de reflexão e de olhar para trás para programar nosso futuro, porque outras pandemias virão.”
Kfouri classifica a Covid-19 como o “maior problema de saúde pública que vivenciamos na última geração” não só pelo número de mortos e infectados – 765 milhões de casos e 6,9 milhões de mortes no mundo, segundo a OMS -, mas pela catástrofe nas políticas de contenção, ações negacionistas e impactos para as populações mais vulneráveis.
“Tivemos desafios em relação a políticas públicas de contenção de transmissão com lockdowns, distanciamento e uso de máscaras por causa do uso político dessas recomendações. Foram muitos negacionistas de países importantes como o nosso e os Estados Unidos, tentando minimizar o problema”, relembra. “Nós chegamos, infelizmente, pouco mais de três anos depois com esse saldo triste para a humanidade e para as famílias que perderam seus familiares e amigos.”
Por mais que países já tivessem encerrado o status, como o Brasil e os Estados Unidos, o infectologia explica que a entidade manteve a denominação porque a nova doença necessitava de monitoramento e para proteger os países menos favorecidos economicamente. “Para prover recursos a países mais pobres, investimentos em vigilância e oferta de vacinas, era necessário manter essa terminologia. Essa pandemia pegou todos de surpresa, não havia insumos, não havia máscaras e os mais pobres foram os que mais sofreram.”
Ele reforça que a Covid-19 não será eliminada do mundo e que a população precisa fazer a sua parte para evitar novas infecções e as sequelas da doença, como a Covid longa.
“A doença continua existindo, ainda faz vítimas e precisamos melhorar a cobertura vacinal, porque é uma doença que tem um impacto importante nas formas agudas e crônicas, caso da Covid longa, que é um grande problema de saúde pública a ser enfrentado.”
A visão é compartilhada pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), que divulgou nota endossando o posicionamento da OMS e alertando para os cuidados a serem adotados com o fim da emergência.
“A declaração está completamente em consonância com a situação epidemiológica apresentada no Brasil e em outros países do mundo. Cabe ressaltar que medidas preventivas em especial voltada às populações mais vulneráveis como idosos e imunossuprimidos bem como a da vigilância epidemiológica do SARS-CoV-2 e esforços para aumentar a taxa vacinal continuam fundamentais.” No Brasil, a doença foi responsável pela morte de 701.833 pessoas.
Emergência internacional
A Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional é uma das medidas previstas pelo Regulamento Sanitário Internacional (RSI), estabelecido em 2005, que tem como foco “ajudar a comunidade internacional a prevenir e responder a graves riscos de saúde pública que têm o potencial de atravessar fronteiras e ameaçar pessoas em todo o mundo”. Com a declaração, as ações dos países passam a ser coordenadas para evitar que a doença se espalhe ainda mais e cause impactos para as populações e sistemas de saúde.
Até o momento, a emergência foi declarada sete vezes: na pandemia de gripe H1N1 (2009), nos surtos de ebola (na África Ocidental em 2013-2015 e na República Democrática do Congo em 2018-2020), poliomielite (2014), zika vírus (2016), Covid-19 (2020) e mpox (2022).