Embora a doença de Alzheimer tenha sido descrita pela primeira vez há quase 120 anos, foi apenas nas últimas três décadas que o suporte para a perda progressiva das lembranças e da autonomia em idosos passou a ser feito com medicamentos. Entre 1993, com a aprovação do primeiro fármaco contra os sintomas da condição, e 2003, somente cinco drogas ofereceram algum alívio ao sofrimento dos pacientes. A dificuldade não surpreende. Sob diversos aspectos, o Alzheimer desafia a ciência, pois o completo entendimento de suas causas não foi alcançado.
A linha mais firme aponta que os danos no cérebro são causados pelo acúmulo da proteína beta-amiloide — em certas pessoas, isso leva ao aniquilamento das células cerebrais. Estudo após estudo, as drogas têm fracassado no intuito de chegar à tão esperada cura para esse tipo de demência que afeta 55 milhões pessoas no mundo. No início de março, a comunidade médica recebeu a notícia de mais um trabalho desanimador: depois de dez anos, a farmacêutica Eli Lilly interrompeu os testes com uma de suas principais apostas, a substância solanezumabe, por não ter atingido o objetivo de remover as placas amiloides e, assim, retardar a perda cognitiva. O anúncio veio num momento em que mesmo as aprovações recentes pela agência americana Food and Drug Association (FDA) foram marcadas por questionamentos e controvérsias.
Após um hiato de dezoito anos, uma nova linhagem de medicamentos se apresentou para atuar nas pegajosas placas de proteínas em pessoas que ainda estavam na fase inicial da doença. Em 2021, a aprovação pela FDA da substância aducanumabe inaugurou uma temporada de avanços celebrada por médicos e pacientes. Era a primeira terapia focada na camada mais profunda da doença, ou seja, o mecanismo que deteriora as células nervosas e degenera o tecido cerebral. Em janeiro deste ano, foi a vez da lecanemabe — lançada no mercado pelo laboratório japonês Eisai —, que reduzia em 27% o declínio cognitivo após dezoito meses de tratamento, conquistar esse tipo de autorização. Embora modestos, os resultados pareciam abrir novas frentes no combate à doença. No entanto, não foi isso o que ocorreu.
Por mais que representem sopros de esperança, os remédios receberam uma avalanche de críticas de diferentes correntes da comunidade científica, que têm questionado os reais benefícios das drogas e pressionado pela realização de mais testes. A agitação começou antes mesmo da aprovação do aducanumabe. Isso porque, já em 2019, os resultados preliminares dos estudos não demonstravam muita diferença em relação aos experimentos com placebo. Pouco depois, a proposta terapêutica foi retomada e os novos achados resultaram na aprovação “acelerada” pela FDA, mas sob a condição de que estudos pós-clínicos sejam apresentados. “A controvérsia decorre do fato de que a maioria desses ensaios mostrou que a droga é bem-sucedida na remoção do amiloide, mas não em retardar o declínio da memória e da capacidade de raciocínio”, disse a VEJA Yen Ying Lim, professora da Universidade Monash, na Austrália, e pesquisadora do tema há doze anos. “Ou seja, não se traduz em benefícios reais para o paciente.”
O alerta foi ainda mais incisivo para o lecanemabe. De acordo com o renomado periódico Science, ocorreram ao menos três mortes de voluntários do ensaio de fase 3. Os registros médicos apontaram quadros de inchaço cerebral, sangramentos e convulsões. A suspeita recai sobre o tratamento por estar relacionada a um evento adverso da medicação, conhecido na medicina como “anormalidades de imagem relacionadas à amiloide” (ou apenas a sigla ARIA), que enfraquece os vasos sanguíneos e causa micro-hemorragias cerebrais.
As incertezas em torno dos novos medicamentos não diminuíram o ímpeto da comunidade científica e dos grandes laboratórios na busca por tratamentos comprovadamente eficazes. Com o envelhecimento da população, estima-se que o número de pacientes com Alzheimer triplicará no mundo até 2050. Isso explica os crescentes aportes em pesquisas. Em 2022, os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos anunciaram um investimento adicional de 289 milhões de dólares para o financiamento de estudos no ramo, o que elevou os desembolsos federais para 3,5 bilhões de dólares por ano.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, doenças relacionadas a demências custam 1,3 trilhão de dólares por ano, uma enormidade sob qualquer ponto de vista. A persistência dos cientistas diante de tantas frustrações também vem da certeza de que superar o quebra-cabeça do Alzheimer reduzirá o sofrimento de milhões de pessoas. A doença pode ser igualmente devastadora para pacientes e familiares. Evento comum na maioria dos casos, o apagar da memória leva, com o passar do tempo, à incapacidade de reconhecer os próprios entes queridos, o que obviamente é bastante doloroso.
O Alzheimer pode surgir a partir da combinação de fatores genéticos, ambientais e de estilo de vida. A Comissão Lancet, ligada à revista científica, atualiza frequentemente os fatores de risco. Agora, eles incluem obesidade, hipertensão, baixa escolaridade, depressão e até a poluição do ar. Registre-se que a doença tem lento desenvolvimento e há nuances que precisam ser desvendadas. “A deposição da proteína pode ocorrer de dez a vinte anos antes do comprometimento cognitivo”, diz Raphael Ribeiro Spera, da Academia Brasileira de Neurologia. O tratamento é apenas um dos gargalos, pois há urgência na introdução de procedimentos mais baratos e menos invasivos para o diagnóstico precoce. “Por isso, estão sendo desenvolvidos métodos capazes de detectar a doença pelo sangue”, diz o especialista. O Alzheimer é um enigma secular que persiste. Mais do que nunca, a humanidade tem pressa para decifrá-lo.
Publicado em VEJA de 29 de março de 2023, edição nº 2834