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‘Mulheres não devem aceitar o não quando ele não é racional’

Principal nome da cirurgia colorretal do Brasil, Angelita Habr-Gama fala a VEJA sobre reconhecimento internacional e relembra de quando venceu Covid-19

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 16 jan 2024, 08h00

Para a cirurgiã coloproctologista Angelita Habr-Gama, o não é uma resposta a ser aceita mediante justificativa. Negar por negar e, principalmente, pelo fato de ser mulher nunca foi algo a ser tolerado sem uma boa conversa para entender os motivos. Foi assim que, nos últimos 60 anos, ela se tornou uma referência internacional em procedimentos delicadíssimos e contribuições para a ciência que lhe renderam mais de 50 prêmios. O mais recente trouxe o pioneirismo comum à médica: em novembro do ano passado, foi a primeira mulher e a primeira pessoa da América Latina a receber medalha Bigelow, láurea da Sociedade de Cirurgia de Boston, nos Estados Unidos, concedida a cirurgiões que contribuem para o progresso científico.

Nascida na Ilha de Marajó (PA) e autora de mais de 260 artigos publicados em renomadas revistas científicas, Angelita desenvolveu em 1991 um método adotado até os dias atuais para o tratamento do câncer colorretal. Era o ousado “Watch and Wait“, de observação e espera para acompanhar a evolução do tumor após o tratamento com radio e quimioterapia antes de adotar a abordagem mais invasiva, que é fazer uma cirurgia radical. Assim, reduzia o risco de intercorrências e infecções.

Suas decisões costumam envolver precisão e experiência, que são alimentadas pela paixão pela profissão e zelo pelos pacientes. Tanto que Angelita ainda opera no Centro Especializado em Aparelho Digestivo do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, unidade onde também viveu o momento mais crítico de sua vida. Ainda no início da pandemia de Covid-19 e quando as vacinas não estavam disponíveis, no ano de 2020, a cirurgiã foi infectada pelo vírus e passou 50 dias intubada. Venceu a doença e retomou seu trabalho de contribuir para a Medicina e para a ciência.

Em conversa com VEJA, Angelita falou sobre as premiações, sua trajetória e sua relação com a vida. Leia o depoimento da cirurgiã.

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Ser reconhecida em vida é muito importante. Tive esse reconhecimento, da medalha Bigelow e já fui agraciada com outros títulos. Foi uma conquista para as mulheres e para a Medicina do nosso país. Desde pequena, sou muito decidida, defendo minhas ideias. As mulheres não devem aceitar o não quando ele não é racional, porque devemos ser firmes. A confiança no seu valor é um fator importantíssimo para o sucesso.

Tinha 7 anos quando vim da Ilha de Marajó e minha família não tem médicos. Resolvi estudar Medicina porque todas as meninas e rapazes com quem convivia foram fazer essa faculdade. Eu fui por acaso. Poderia ter sido uma excelente professora. Desde o Líbano, de onde vieram os meus pais, todos eram professores, mas fui muito feliz na escolha da profissão. Tenho a chance de aliviar a dor e a oportunidade de estar sempre como estudante.

Escolhi a minha área porque, dentro da cirurgia, tive professores excelentes na gastroenterologia cirúrgica e vi a grandeza dos nossos professores. Depois, assistindo a um congresso internacional na década de 1960, fiquei muito impressionada com os especialistas ingleses e americanos. Vi que era uma área pouco explorada.

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Naquela época, todo jovem cirurgião que optasse por cirurgia colorretal deveria visitar St. Mark´s Hospital, em Londres. Após várias cartas enviadas para solicitar o estágio, eles responderam que o hospital era para homens e não para mulheres. Eu insisti em uma última carta e escrevi: ‘não se preocupem, pois, vocês irão gostar de mim. Sou um tipo diferente do que vocês estão acostumados’. No fim, eles me aceitaram, arrumei a mala e fui.

Eu continuo operando e fiz tantas cirurgias que já sei que o melhor é operar cada vez menos. O câncer colorretal é muito comum em países desenvolvidos e acomete muitos jovens porque a comida deles tem muitos corantes, gorduras saturadas e a gente deve cuidar da nossa alimentação. É um câncer camarada, muito frequente, mas é o único que pode ser realmente prevenido. Ao se fazer colonoscopia, podemos retirar a lesão benigna, o pólipo. As pessoas adultas, a partir dos 45, 50 anos, precisam entender que o exame pode ajudar a quitar a lesão precursora do câncer, por isso, temos de fazer a conscientização da população.

Em 2020, vivi meu único momento de sofrimento. Participei de um congresso de coloproctologia em Jerusalém e voltei com Covid-19. Olhei minha radiografia e vi, em segundos, que poderia morrer. Foi um momento de angústia, mas também de paz, porque pensei que já tinha alcançado muito mais do que pretendia na vida e tive uma boa vida. Fui intubada e assim fiquei por 50 dias. E saí do hospital. Agora, aproveito mais a vida. Tudo que recebo tem a maior importância, porque gosto muito de viver. A vida é um espetáculo!

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