Más notícias para a retina, o delicado tecido no fundo do globo ocular responsável por converter os sinais luminosos nos impulsos que serão lidos como imagens pelo cérebro. O envelhecimento populacional e a pandemia de diabetes mundo afora fermentam uma explosão nos casos de doenças que corrompem essa estrutura, podendo levar à perda completa da visão. Pior: com frequência, quando os danos à região progridem, o déficit para enxergar se torna irreversível. O alerta para esse cenário nebuloso foi o ponto alto do congresso da Sociedade Europeia de Especialistas em Retina, o Euretina, realizado em Barcelona, na Espanha. O encontro científico ecoou um chamado para pacientes, médicos e gestores zelarem pela saúde ocular. Afinal, sem o pleno funcionamento dessa sensível área na traseira do olho, rostos, paisagens e obras de arte estão fadados ao embaçamento. E, a depender da gravidade e do atraso para o diagnóstico e o tratamento, a cegueira é o triste destino.
Por mais que a população tenha noção de que o avançar da idade e condições como o diabetes podem prejudicar a visão, nem todo mundo realiza um acompanhamento periódico com o oftalmologista e passa por um simples exame de fundo de olho. Quando a vista apresenta alguma falha, mancha ou borrão, isso costuma ser associado a óculos defasados ou até à catarata, quadro que gera opacidade, mas que afeta outra parte do órgão e é resolvida com cirurgia. No entanto, tais sinais podem ser um reflexo de males como a retinopatia diabética, quando a sobrecarga de açúcar no sangue danifica os vasinhos da retina, resultando em extravasamento de líquidos e estragos ali. “Ela é muito traiçoeira, porque ocorre por vários estágios, como degraus de uma escada, e os primeiros deles não apresentam sintomas”, diz o oftalmologista Arnaldo Furman Bordon, da Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo (SBRV). Outra complicação, ainda mais perigosa, é o edema macular diabético, um inchaço na porção mais nobre da retina, a mácula, com sequelas intratáveis.
A raiz de toda a preocupação é a certeza de que o diabetes cresce de maneira desenfreada. Estatísticas apontam que, até 2030, 650 milhões de pessoas no mundo terão a doença, índice que deve saltar para 1,3 bilhão em 2050. O envelhecimento, por outro lado, não pode nem deve retroceder. Nesse sentido, a força-tarefa deve se pautar também pelo diagnóstico precoce de outra enfermidade, a degeneração macular relacionada à idade, principal causa de cegueira em indivíduos acima dos 50 anos. Calcula-se que 10% da população global pode apresentar a condição na velhice.
Durante os painéis do congresso Euretina, oftalmologistas de vários cantos do planeta bateram na tecla da prevenção. Nessa seara, entra o manejo de fatores de risco modificáveis, como o controle do peso, da glicemia e da pressão arterial. No caso da degeneração macular, um conselho imperativo é parar de fumar. “O tabagismo aumenta em cinco vezes o risco de progressão da doença e as células da retina não se regeneram”, diz a oftalmologista Katia Pacheco, do Centro Brasileiro da Visão, em Brasília. Para viabilizar o diagnóstico mais cedo e de forma precisa — ponto vital para evitar as lesões —, os especialistas apostam suas fichas na inteligência artificial durante a triagem dos pacientes em consultório. “Essas tecnologias ainda são aplicadas em pequena escala, e o ideal é que isso seja feito no âmbito da saúde pública”, disse a VEJA Adnan Tufail, professor de oftalmologia do University College London, na Inglaterra.
Apesar do horizonte de apreensão, também há boas notícias para os olhos. No encontro em Barcelona, os experts reforçaram o papel de medicamentos capazes de tratar os danos à retina antes do seu total comprometimento. Trata-se de remédios injetáveis, já disponíveis no Brasil, como o faricimabe, da Roche, e o aflibercepte, da Bayer, que têm permitido tratamentos cada vez mais cômodos e espaçados, com um intervalo de vinte semanas entre as aplicações. Os pacientes aprovam, mas ainda falham na adesão: com as opções mensais, 65% dos brasileiros abandonam a terapia ao notar melhoras, esquecendo que a doença na retina tende a ser progressiva. Então, vale mirar a bandeira de alerta e cuidar desse precioso tecido nos bastidores da visão.
Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2024, edição nº 2913