Um estudo realizado por pesquisadores brasileiros indica que as crianças afetadas pelo zika vírus podem desenvolver ao longo da vida transtornos neurológicas, distúrbios de comportamento, como esquizofrenia e autismo, problemas de memória e consequências motoras, tanto em crianças com microcefalia quanto as crianças que não apresentaram a doença. Segundo o Science Daily, os resultados, publicados nesta quarta-feira no periódico Science Translational Medicine, indicaram os camundongos avaliados ainda tinham o vírus da zika no cérebro mesmo depois de chegarem a vida adulta.
Zika Vírus
O zika é um arbovírus, ou seja, sua transmissão ocorre principalmente através de mosquitos, em especial pelo Aedes aegypti, mas também pode ser adquirido através do contato sexual e pela transfusão de sangue. Quando se manifesta em adultos, os sintomas duram alguns dias e são leves, como erupções cutâneas, conjuntivite, artralgia e febre leve.
No entanto, o surto de 2015 no Brasil demonstrou pela primeira vez que a infecção por esse vírus pode ter consequências devastadoras para mulheres grávidas e seus fetos. Durante a epidemia, foi possível perceber a conexão entre a microcefalia e infecção pelo zika durante a gravidez, embora os cientistas afirmem que apenas 10% das crianças infectadas desenvolvam a doença. Também ficou claro que mesmo os bebês nascidos sem microcefalia podem desenvolver sintomas associados à infecção.
Apesar disso, a comunidade médica não era capaz de prever as consequências a longo prazo para essas crianças. Por isso, os cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) decidiram realizar um estudo sobre o assunto. A pesquisa demonstrou que vários sintomas da doença não são superados na vida adulta, como é o caso da perda de peso, dos déficits cognitivos e da função motora comprometida.
Consequências futuras
Usando ratos infectados com o vírus zika logo após o nascimento, a equipe de pesquisa percebeu que a memória e a sociabilidade dos animais adultos também foram afetadas, o que pode estar ligado a observações feitas por outros pesquisadores de que a exposição viral pouco antes ou após o nascimento pode estar associada ao desenvolvimento tardio do autismo e da esquizofrenia.
Outra análise indicou que, assim como os bebês expostos à doença ainda no útero da mãe, os ratos jovens também tinham convulsões espontâneas. Enquanto a maioria dos camundongos não sofreu convulsões logo após o nascimento, 65% deles tiveram no nono dia após a infecção; e 90% dos ratos apresentaram episódios de convulsão no dia 12. No entanto, ao atingir a idade adulta, eles não tiveram mais convulsões, exceto quando expostos a produtos químicos, indicando que, embora as convulsões espontâneas possam ter sido resolvidas à medida que os animais envelheciam, os danos causados ao cérebro eram permanentes.
Replicação viral
De acordo com os resultados, o tempo de convulsão acontece seguindo o tempo de replicação do vírus no cérebro do rato, significando que o problema podem ser uma resposta do corpo à atividade do vírus. A investigação apontou ainda que a replicação no cérebro continuou acontecendo depois que os animais atingiram a idade adulta, embora a maioria dos sintomas tivessem sido resolvidos.
O pico de replicação viral no cérebro foi associado a uma abundância de moléculas que mediam a inflamação. Uma dessas moléculas é o Fator de Necrose Tumoral Alfa (TNF-α), uma molécula intimamente ligada a episódios de inflamação aguda no corpo. O Food and Drugs Administration (FDA), agência responsável pela regulamentação de medicamentos nos Estados Unidos, já aprovou diversos medicamentos capazes de inibir o TNF-α como uma estratégia para conter a resposta inflamatória aguda do organismo.
Possíveis tratamentos
Os cientistas testaram uma das medicações aprovadas pelo FDA para descobrir se ela seria capaz de controlar as convulsões causadas pelo zika vírus. O infliximabe, medicamento usado para tratar doenças autoimunes e artrite reumatoide mostrou-se útil para deter as manifestações convulsivas em camundongos jovens na fase aguda da infecção por zika, diminuindo o número de episódios.
De acordo com o estudo, no dia 12 o infliximabe havia reduzido significativamente o número de convulsões e a maioria dos animais havia respondido bem à droga. “Camundongos jovens responderam muito bem ao inibidor do TNF-α. Descobrimos que alguns animais tiveram uma redução média de 50% no número de convulsões. Além disso, animais adultos não eram mais suscetíveis a convulsões induzidas por drogas”, relata Julia Clarke, pesquisadora UFRJ.