Ministério da Saúde e Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde aprovaram, na quinta-feira 15, a reformulação da política de saúde mental, ampliando a rede de atenção psicossocial com a oferta de leitos em enfermarias especializadas em hospitais gerais, e reforçando o papel de hospitais psiquiátricos — que voltam a fazer parte da rede de atendimento.
Reformulação
Um dos principais pontos da reformulação é a interrupção do fechamento de vagas em hospitais psiquiátricos, que até então eram fechadas com a transferência de um paciente para o atendimento ambulatorial. Em caso de necessidade, os pacientes deveriam ser atendidos em leitos reservados para atendimento de saúde mental em hospitais gerais.
Segundo Quirino Cordeiro, coordenador do programa de saúde mental do Ministério da Saúde, o país tem uma quantidade insuficiente de leitos psiquiátricos, mas não soube dizer qual seria a real oferta. “Eles não dão conta da demanda sanitária. Os registros informam 18.200 vagas, mas o cadastro pode estar desatualizado.”
Outra mudança apontada será o aumento do valor para internação em hospitais psiquiátricos. A diária passará de 49 reais para 80 reais. “O reajuste vai qualificar o atendimento”, justificou Cordeiro. Para inibir longas estadias, segundo ele, haverá uma redução nos valores quando o período de internação ultrapassar um limite determinado.
Na primeira proposta da reformulação, o valor da diária era único, independentemente do número de leitos. Diante de críticas dos especialistas, o pagamento será feito por faixas. Hospitais de menor porte receberão valores mais altos, a fim de evitar grandes hospitais psiquiátricos — medida já prevista na regulação em vigor.
Hospitais gerais
Por outro lado, a medida não vale para o caso dos hospitais gerais. De acordo com a nova regra, serão criados 60 leitos (20% da capacidade) por unidade em hospitais com enfermaria especializada, para atender pacientes com quadros mentais agudos. Além disso, enfermarias com maior número de leitos terão incentivo maior do que enfermarias com vagas reduzidas.
Ainda segundo o coordenador, a medida atende a uma tendência do mercado. “Estudos mostram que unidades que reservam poucos leitos têm uma taxa de ocupação bem menor do que hospitais com maior número de vagas.”
Criação de ambulatórios
A nova resolução também prevê a criação de equipes de assistência multiprofissional em saúde mental, e ambulatórios de média complexidade, com profissionais habilitados. A ideia é ofertar atendimento intermediário entre ambulatórios mais simples e o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), destinado para casos mais complexos.
Além disso, um plano de ação de prevenção contra o suicídio será desenvolvido em seis estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Piauí e Roraima; considerados prioritários.
Combate ao vício
Anteriormente, a proposta previa integrar Comunidades Terapêuticas (voltadas para dependentes químico) à rede de assistência. Segundo o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass), o trecho foi retirado devido a falta de recursos para financiar o atendimento.
No entanto, de acordo com o Ministério da Saúde, o aporte de recursos ainda é possível, mesmo sem a integração. A princípio, a intenção era reservar 240 milhões de reais, por ano, para o atendimento nessas casas. Agora, a ideia é dar suporte às unidades credenciadas, com protocolos clínicos de cuidados, e ampliação de vagas para 20.000. Metade do financiamento será da pasta e o restante, do Ministério da Justiça e do Desenvolvimento Social.
Movimento antimanicomial
O formato da resolução é considerado por parte dos especialistas como um retrocesso à lei de 2001, que determinou o fim da rede de atenção centrada em hospitais, dando espaço ao atendimento ambulatorial.
Segundo o vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Amarante, embora o texto aprovado tenha uma versão mais branda do que o modelo criticado pelos integrantes do movimento, a mudança representa uma abertura ao retorno do modelo manicomial.
“Ele veio mais leve, mas isso não é à toa. Ocorreu graças à pressão, sobretudo depois da manifestação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão”, disse Amarante. No entanto, para o especialista, não há dúvidas de que o texto traz ameaças ao modelo atual. “Basta ver o aumento das vagas em hospitais gerais. São manicômios disfarçados.”
Além disso, Amarante critica o financiamento das Comunidades Terapêuticas, na sua grande maioria, ligadas a grupos religiosos. “São vários os relatos de desrespeito aos direitos humanos nessas unidades. Além disso, não há estudos que demonstrem que o atendimento dado nesses locais é eficaz.”
Governo
Para o ministro da Saúde, Ricardo Barros, as críticas feitas à reformulação da política de saúde mental são inadequadas. “É puramente ideológica. Não tem nada a ver com o mundo real. Ela é boa para o Brasil, boa para o usuário. Os defensores do modelo antigo não se dão conta que a demanda mudou”, argumentou.
Já a presidente do Conass, Michele Caputo Neto, acredita que o texto aprovado não traz o retrocesso descrito por movimentos contrários à reformulação.
“Ele mantém a proibição de aumentar os leitos em hospitais psiquiátricos, melhora a remuneração e prevê aumento de residências terapêuticas, além de criar um novo serviço, CAPS Álcool e Drogas, que ficarão próximos da Cracolândia.”
(Com Estadão Conteúdo)