Comecei a me sentir mal quando estava no primeiro ano da faculdade, em 2017. Tinha 21 anos e estudava medicina em Valença (RJ). Comecei a sentir dores de cabeça muito fortes e aquilo foi evoluindo com outros sintomas, como tontura e visão dupla. De cara, pensei em algum problema neurológico. Fiz uma série de exames de sangue e imagem, e nada de descobrir o que era. Em determinado momento, fui encaminhado a um exame oftalmológico e foi detectada uma lesão na região. Tratamos com corticoide e aqueles sintomas melhoraram totalmente. Mas, assim que desmamei do medicamento, eles voltaram. Cheguei até a ter uma crise convulsiva. Fui internado para investigarmos a fundo, inclusive com um exame do liquor. Como tomei corticoide nesse momento, fiquei bom de novo, e achei que a história acabaria ali. Mas o liquor acusou células estranhas. O diagnóstico era leucemia linfoblástica aguda.
De início, fui submetido a oito ciclos de quimioterapia, e reagi bem. O tratamento controlou a doença. Mas, depois de um ano e quatro meses, ela retornou. Diante da recidiva, os médicos e eu optamos por fazer o transplante de medula óssea. Fui a São Paulo e conheci o doutor Vanderson Rocha, da USP, que passou a me acompanhar. O transplante foi difícil, um processo desgastante para mim. Fiquei bem debilitado. Durante quatro meses só saía de casa de máscara, e isso antes da pandemia. Tive que refazer todas as vacinas. Foi um período de restrições. E, em um ano e meio, a leucemia voltou. O doutor Vanderson comentou, naquele momento, sobre a possibilidade de fazer o tratamento com as células CAR-T (a terapia se baseia na retirada de células de defesa do paciente, modificadas em laboratório e reinjetadas para atacar o câncer). Mas, naquela época, eu teria que viajar para fora do país de modo a realizá-la. O custo era absurdo, coisa de 2 milhões de reais só o tratamento. Como alternativa, os médicos bolaram um regime especial de quimioterapia, um esquema bem forte, com muito efeito colateral. E deu certo. Fiquei mais de um ano sem a doença, até que ela voltou.
Me foram apresentadas duas opções: tentar um novo transplante de medula ou a terapia CAR-T, aquela que só conseguiria fazer no exterior. Eu estava no último ano da faculdade. Não queria passar por outro transplante. Desejava continuar minha vida e me formar. Então soubemos de um tratamento experimental com células CAR-T desenvolvido pela USP de Ribeirão Preto que já havia funcionado contra o linfoma. E, junto ao doutor Vanderson, que atua na equipe de pesquisa, partimos por esse caminho. Eu tinha que arriscar. Fui ao Hospital de Clínicas de Ribeirão Preto no início de 2022 para me internar e começar o tratamento. Só que peguei Covid-19, e tive que me recuperar primeiro.
Finalmente fizeram a retirada e a modificação das minhas células. Depois recebi a infusão de CAR-T. Era como tomar uma bolsa de soro. Não senti nada de efeito colateral, só uma febre leve. Fiquei internado por mais quinze dias para ver se não haveria alguma reação inesperada. Passei um tempo na UTI por precaução. Fui liberado e, três dias depois da alta, voltando a Valença, pedi para o meu pai me levar a um jogo de vôlei universitário. Eu disse que só queria assistir, tinha ficado muito tempo parado. Mas, chegando lá, joguei. Não só ganhamos a partida como fui eleito o melhor em quadra. Estou com 27 anos e completo em maio um ano de CAR-T. Os exames mostram que está tudo 100%. Levo uma vida normal, fazendo residência em clínica médica. Meu plano é me especializar em hematologia, quem sabe atender pacientes ao lado do doutor Vanderson. Sou duplamente abençoado pela ciência. Como médico, que viu a medicina avançando a esse ponto. E como paciente, que teve a chance de receber um tratamento inovador que salvou minha vida.
Lucas Visconti em depoimento dado a Diogo Sponchiato
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2023, edição nº 2841