A Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora americana, aprovou a comercializaç ão da primeira terapia genética para tratar a hemofilia B, a forma menos comum e mais perigosa da doença que dificulta a coagulação do sangue.
O anúncio chamou atenção não só pelo avanço contra um distúrbio genético como o quanto custará. O Hemgenix, medicamento desenvolvido pela farmacêutica CSL Behrin, teve o preço fixado em US$ 3,5 milhões (cerca de R$ 18,3 milhões) – o que faz dele, por boa distância, o remédio mais caro do mundo.
O fármaco utiliza um vírus desenvolvido em laboratório que carrega um gene às células do fígado. O gene é o que determina a fabricação do fator IX, uma proteína presente no plasma essencial para a coagulação e que as pessoas com a doença não conseguem produzir, o que eleva o risco para hemorragias fatais.
Aproximadamente uma em cada 40 mil pessoas têm hemofilia B no mundo, doença que afeta mais os homens – muitas mulheres são assintomáticas. No Brasil, de acordo com o Sistema Hemovida, há um pouco mais de 2 mil pacientes cadastrados. Até agora, elas precisavam receber injeções com o fator, geralmente várias por semana.
Dados de ensaios clínicos sugerem que a dose única de Hemgenix fornecerá às pessoas com hemofilia moderada a grave proteção adequada contra sangramento descontrolado por oito anos e, potencialmente, por mais tempo. O último ensaio clínico, que incluiu 54 pessoas com hemofilia B, relatou uma redução de 54% no número de episódios hemorrágicos por ano, e 94% dos participantes descontinuaram qualquer terapia profilática dentro de dois anos após receberem a dose única.
Mas o alto preço do tratamento torna o medicamento, embora eficaz, inacessível. O Hemgenix é mais caro do que outros medicamentos de terapia genética de dose única altamente valorizados, como o Zynteglo (US$ 2,8 milhões) e Zolgensma (US$ 2,1 milhões), que tratam a talassemia beta maior e a atrofia muscular espinhal infantil, respectivamente.
Preço salgado
A CSL Behring diz que o custo é justificado. Em comunicado, a empresa disse que, mesmo a um custo de US$ 3,5 milhões, o Hemgenix poderia economizar de US$ 5 milhões a US$ 5,8 milhões para o sistema de saúde dos EUA por pessoa tratada ao diminuir ou eliminar a necessidade de injeções regulares de fator IX.
“Viver com hemofilia tem tudo a ver com o local de nascimento”, diz Glenn Pierce, vice-presidente da Federação Mundial de Hemofilia em Montreal, Canadá. “Nos EUA, o tratamento de um adulto com hemofilia B custa em média US$ 700 mil a US$ 800 mil por ano. O alto preço do Hemgenix se pagará em um tempo relativamente curto, e supondo que dure.”
Mas os cientistas temem que o preço não seja acessível em países de baixa e média renda, onde vive a maioria das pessoas com hemofilia e também os lugares nos quais os suprimentos de tratamentos e fator IX são frequentemente insuficientes. “À medida que surgem novas tecnologias, como a terapia genética, aqueles que mais se beneficiariam podem pagar menos. Não podemos deixar a maior parte do mundo para trás”, diz Pierce. A CSL Behring se recusou a comentar sobre o preço do medicamento além de sua declaração pública.
Em 2020, a empresa pagou US$ 450 milhões ao desenvolvedor inicial, a uniQure, para obter a licença da terapia e comercializar o medicamento, segundo a revista Forbes. E prevê arrecadar um total de US$ 1,2 bilhão em vendas desse produto até 2026.