Excesso de peso na juventude altera a estrutura do coração, aponta estudo
O sobrepeso engrossa o músculo cardíaco, dificultando a passagem do sangue e forçando o coração a trabalhar mais
De acordo com estudo publicado esta semana na revista Circulation, o excesso de peso durante a juventude pode alterar a arquitetura cardiovascular, aumentando os riscos de desenvolver problemas cardíacos, como hipertensão e aumento da massa ventricular. Os pesquisadores descobriram que o sobrepeso em um jovem adulto é capaz de ‘engrossar’ o músculo cardíaco, dificultando a passagem do sangue e forçando o coração a trabalhar mais. Esse espessamento das paredes dos vasos é considerado o primeiro sinal de aterosclerose, problema no qual placas de gordura se acumulam nas artérias.
A pesquisa, realizada pela faculdade de medicina da Universidade de Bristol, no Reino Unido, avaliou milhares de participantes com idades entre 17 e 21 anos que tinha peso elevado na década de 1990. Esse foi o primeiro estudo a investigar as consequências do alto índice de massa corporal (IMC) no sistema cardiovascular de pessoas jovens.
Como acontece o espessamento
Segundo especialistas, o percentual de gordura de um indivíduo deve ficar abaixo dos 30%; nas mulheres é aceitável entre 18% e 28% e nos homens entre 10% e 20%. Quando a composição corporal sofre alteração e o índice de gordura é superior a estes valores, ocorre alteração do setpoint metabólico, o que afeta o tecido adiposo, responsável pela produção de enzinas e hormônios, alguns capazes de provocar a obesidade.
A produção de algumas destas substâncias, como o PAI-1 e a resistina, são estimuladas pela gordura corporal e podem alterar a arquitetura do coração e dos vasos sanguíneos. Quando essas duas proteínas são liberadas é possível notar uma piora na função cardíaca, como alargamento da parede ventricular e diminuição da câmara cardíaca. Diante disso, pode ocorrer uma alteração na pressão arterial e, em alguns casos, provocar morte súbita. Indivíduos mais jovens que tem o IMC acima de 30 estão mais expostos a essas substâncias nocivas ao organismo.
Consequências
Quando uma pessoa está obesa, as câmaras cardíacas, responsáveis pelo transporte sanguíneo, podem sofrer um aumento do volume muscular – causado pela pressão arterial. Quando isso acontece, as paredes do vasos ficam mais largas e, portanto, o centro da câmara diminui, provocando a redução do volume sistólico (de sangue).
“Isso é especialmente ruim porque estamos falando de uma alteração cardiovascular em indivíduos jovens (e obesos) com 20-21 anos que não fazem acompanhamento médico apropriado e provavelmente só vão descobrir o problema duas décadas depois quando o dano for muito maior”, alerta Guilherme Renke, endocrinologista e membro titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Diante do espessamento, a principal preocupação dos médicos é a insuficiência cardíaca. Segundo Renke, este quadro surge com a diminuição dos níveis de sangue entrando e/ou saindo do coração, ou seja, ele não bombeia o sangue como deveria, comprometendo a circulação de oxigênio pelo organismo. Por causa disso, pessoas que tem a doença encontram dificuldades em realizar tarefas básicas diárias como subir escadas e, em casos mais graves, tomar banho sozinho.
Outras descobertas
A pesquisa ainda revelou que um IMC mais alto causa maior pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica (PAD), o que pode danificar as artérias do coração; associadas ao espessamento do músculo cardíaco, a hipertensão arterial dificulta o transporte do sangue pelo corpo, levando à doença coronariana. Especialistas informam ainda que PAD (número inferior) só aumenta em casos graves. Outra descoberta foi o aumento do ventrículo esquerdo, principal câmara de bombeamento do coração e parte da estrutura cardíaca mais comprometido diante do espessamento.
Apesar disso, os cientistas alertam que todos os participantes do estudo eram brancos, portanto, os resultados podem não se aplicar à população em geral. De acordo Renke, outras doenças podem afetar a estrutura cardiovascular de forma similar como hipertensão, tuberculose e sarcoidose – doença que provoca o crescimento de células inflamatórias em diferentes partes do corpo. Alguns fármacos também podem desencadear esse efeito.
Controle da obesidade
O aumento da obesidade está relacionada a três fatores: má alimentação, sedentarismo e exposição à substâncias tóxicas. A primeira deriva do alta procura por alimentos industrializados e o baixo consumo de frutas, verduras e legumes, especialmente na infância e adolescência. A diminuição da prática de atividades físicas também aumenta as chances do ganho de peso – cerca de 80% da população é sedentária, afirma Renke.
Alguns especialistas acreditam que a exposição à substâncias tóxicas do ambiente é um fator de risco para a obesidade por serem considerados disruptores endócrinos, ou seja, elas são capazes de interferir no sistema endócrino e no funcionamento do organismo.
Assim, para controlar o ganho de peso é necessário manter esses fatores de risco sobre controle para garantir um futuro saudável. Em entrevista ao Daily Mail, Kaitlin Wade, principal autora do estudo, comentou que os resultados da pesquisa comprovam que o esforço para reduzir o IMC, mantendo o peso dentro de uma faixa normal e saudável, pode prevenir doenças cardíacas posteriores. De acordo com ela, o espessamento dos vasos é o primeiro sinal de aterosclerose, uma doença na qual placas gordurosas se acumulam nas artérias e levam à problemas graves no coração.
Reversão de danos
Segundo Renke, a reversão de danos é possível, mas depende do estágio de avanço do espessamento. “A reversão depende do tamanho do dano cardiovascular. Quanto mais precoce for a identificação, melhor serão as chances de redução do problema. No entanto, quando ocorre fibrose muscular, ou seja, um comprometimento maior, a perda de peso pode ajudar o coração a funcionar com menos dificuldade, mas será necessário fazer tratamentos específicos”, explica.
Ele ainda alerta que um número considerável de pessoas obesas que convivem há muito tempo com o problema preferem não procurar tratamento por já estarem ‘acostumadas’ a ele. No entanto, tratar a doença, independente do estágio ou da idade, é fundamental para diminuir os riscos de complicações futuras.