O pai da medicina, o grego Hipócrates (460 a.C.-370 a.C), já intuía que o casamento entre a nutrição adequada e a atividade física é que fazia uma pessoa saudável: “Para o homem se manter sadio não basta se alimentar, mas também praticar algum tipo de movimento”. Milênios a fio, contudo, pouco fizeram avançar as certezas científicas da conexão de uma coisa com a outra. Foi apenas no fim dos anos 1940, fruto de uma curiosa experiência, que se confirmou a relevância dos corpos em ação. Um médico do Reino Unido, o inglês Jeremy Morris (1910-2009), ficou convencido de que a ocorrência cada vez maior de ataques cardíacos e doenças coronarianas tinha relação com o sedentarismo e não apenas com a idade ou o stress crônico, como se imaginava. Com verbas escassas, depois da II Guerra, Morris foi criativo.
Ocorreu-lhe que os ônibus londrinos de dois andares eram um laboratório perfeito para sua investigação comparativa, já que os motoristas ficavam o tempo todo sentados e os cobradores subiam e desciam as escadas. Ele acompanhou 35 000 profissionais durante dois anos e descobriu que os condutores, de modo geral, tinham risco duas vezes maior que os cobradores de sofrer um ataque do coração. Pela primeira vez na história, alguém fazia uma ligação direta entre exercício e saúde.
Desde então, entender quanto e como devemos nos movimentar virou uma das áreas mais interessantes e influentes da medicina. A compreensão do funcionamento do organismo que se mexe resultou, agora, em uma novíssima e detalhada certeza: qual hora do dia é a mais adequada para a malhação? Um estudo recente sugere que o melhor momento para a saúde metabólica é o fim da tarde — mais especificamente às 18h30, ao anoitecer. Conduzido pelo reputado Instituto Mary MacKillop da Universidade Católica Australiana, o trabalho avaliou o impacto do treino em dois índices extremamente relevantes, o colesterol e o diabetes. Nenhum estudo havia definido os ponteiros do relógio tão precisamente. Os pesquisadores avaliaram a saúde de 24 homens. Mulheres não foram incluídas para excluir eventuais alterações relacionadas ao ciclo menstrual (mas os resultados são, sim, unissex). Todos os voluntário eram obesos. Durante o trabalho, eles receberam uma dieta específica, composta de 65% de gordura (uma refeição equilibrada contém até 35%). Foram formados dois grupos. Um deles se exercitou todos os dias às 6h30; o outro, às 18h30. Praticaram a mesma atividade, que misturou intervalos breves e intensos de bicicleta ergométrica em um dia com exercícios mais leves e longos na jornada seguinte. Já no quinto dia os especialistas começaram a chegar a algumas conclusões: os exercícios realizados no fim da tarde reduziram o impacto da dieta gordurosa no colesterol e no diabetes. O treino praticado pela manhã não produziu mudanças.
Os cientistas ainda não identificaram a razão exata por trás dos resultados, mas há uma hipótese: no decorrer do dia, com o corpo naturalmente aquecido, há reação mais imediata dos músculos. Nesse horário, foi identificada também maior propensão genética à metabolização de proteínas, atalho para fortalecimento corpóreo. Os médicos, no entanto, advertem que não é o caso de ficarmos limitados a determinados horários para fazer exercícios. “Independentemente do período do dia, qualquer atividade física é imensamente melhor do que não fazer nada”, diz Antonio Carlos do Nascimento, doutor em endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Convém sempre beber um pouquinho mais da imaginação pioneira de Hipócrates, antessala antiquíssima do modismo da malhação que começou a brotar nos anos 1980, como mostra a série Physical (leia na pág. 84). A dieta dos voluntários do estudo foi piorada exponencialmente com o objetivo de analisar os efeitos da ginástica mais claramente. No entanto, sabe-se, hoje, tal qual o lendário grego supôs, que a influência da alimentação na saúde e no emagrecimento pode ser ainda maior que a do exercício físico em si. Um estudo recente da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, por exemplo, mostrou uma relação da dieta com o diabetes maior do que se acreditava: o consumo de gordura trans (e não só do açúcar) aumenta o risco da doença. Em compensação, a ingestão de gorduras boas, como as encontradas em peixes e óleos vegetais, reduz a probabilidade do desenvolvimento do problema. Os brasileiros não só se alimentam mal como não praticam atividade física a contento. Oito em cada dez adultos não mantêm uma dieta balanceada e quatro em cada dez são considerados sedentários. Na pandemia, o cenário ainda piorou: 20% das pessoas ganharam peso durante as quarentenas, proporção idêntica dos que deixaram os treinos de lado. Resumo da ópera: o bom senso manda comer direito e não parar quieto — e nada como pôr um tênis e sair para dar uma volta nos bonitos crepúsculos do inverno.
Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744