A endometriose é uma doença que afeta aproximadamente 10% a 15% da população feminina em idade fértil no Brasil. Apesar disso, os agentes envolvidos no surgimento do problema ainda não foram totalmente explicados. Agora, um novo estudo publicado no periódico Scientific Reports parece ter encontrado uma provável causa para a doença.
Segundo os pesquisadores, o desequilíbrio das bactérias do útero, da vagina ou do intestino pode estar associado ao desenvolvimento da endometriose. A descoberta pode direcionar pesquisadores na busca por tratamentos mais eficientes e futuros métodos de prevenção contra a doença.
De acordo com especialistas, essa relação entre o desequilíbrio bacteriano e a endometriose pode ser explicada por meio do sistema imunológico. “Já é sabido que as mulheres portadoras da doença apresentam aumento na quantidade de células de defesa imunológica na cavidade abdominal.
Apesar do número aumentado, a qualidade dessas células – responsável por defender o sistema reprodutor – é mais baixa e, portanto, elas não atuam como deveriam, permitindo que certos problemas se manifestem no organismo”, explicou Maurício Simões Abrão, ginecologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Embora existam outros fatores capazes de provocar essa atuação falha do corpo, os pesquisadores descobriram que ela pode ser estimulada por determinadas bactérias encontradas nas regiões investigadas pelo novo estudo. Além disso, uma pesquisa brasileira publicada na revista Fertility and Sterility já havia mostrado que certas bactérias, como a Mycoplasma genitalium – que causam inflamação na uretra nos homens e nos órgãos reprodutivos nas mulheres -, também podem estar associadas ao desenvolvimento da endometriose ao facilitar a adesão de células endometriais.
“Essas bactérias auxiliam na implantação do endométrio em regiões em que não deveria estar, como trompas e ovário”, esclarece Abrão, que também é autor do estudo. Essa relação bacteriana foi reforçada através de outro estudo recente que demonstrou a possibilidade da claritromicina (antibiótico) como forma de tratar a doença.
O estudo
Participaram do novo estudo 28 mulheres, que foram divididas em dois grupos: aquelas que tinham a doença (todas com endometriose moderada a grave) e participantes sem indícios de endometriose (grupo de controle). Para investigar a microbiota, foram coletadas amostras cervicais, vaginais e fecais.
A análise, que encontrou 327 gêneros bacterianos diferentes, verificou que a composição da microbiota vaginal, cervical e intestinal foi parecida para todas as voluntárias. No entanto, as pequenas diferenças encontradas nas amostras apontaram para a possibilidade de que o desequilíbrio bacteriano – ou seja, a ausência de certas bactérias e a presença aumentada de outras – seja a causa da doença.
Apesar dos resultados, ainda é preciso determinar a relação causal. Isso significa que os pesquisadores terão que explicar se são as alterações na microbiota que ativam uma reação do sistema imunológico ou se é a mudança no sistema imunológico que interfere na composição da microbiota.
Vale lembrar que além das bactérias, podem existir outras possíveis explicações para o surgimento da doença, como a menstruação retrógrada, que ocorre quando o sangue menstrual volta para o útero ao invés de ser expelido pelo corpo. Ainda há a hipótese da predisposição genética. No entanto, especialistas afirmam que sozinhas, elas não explicam completamente o surgimento da endometriose em algumas mulheres.
Endometriose
A endometriose é uma doença inflamatória causada por células do endométrio que deveriam ser expelidas na menstruação, mas começam a crescer em outras partes do corpo como trompas, ovários e vagina, além de órgãos não relacionados ao sistema reprodutório feminino, incluindo intestino grosso (reto e sigmoide), bexiga e apêndice. Uma das complicações da endometriose acontece quando a doença se instala nos ovários, o que provoca o surgimento de um cisto (endometrioma), que pode comprometer o futuro reprodutivo da mulher.
Os sintomas incluem dismenorreia (dores pélvicas e cólicas menstruais), dor pélvica, dispareunia (dor genital pouco antes, durante e após a relação sexual) e/ou infertilidade. No entanto, algumas mulheres não apresentam sintomas. A doença ainda prejudica o processo de gravidez, já que diminui a probabilidade de fecundação e implantação do óvulo fecundado dentro do útero, além de aumentar a probabilidade de aborto espontâneo.
Para especialistas, a principal dificuldade é o diagnóstico precoce. “A endometriose costuma ser diagnosticada por volta dos 30 anos, principalmente pela demora em reconhecer a condição. Esse atraso pode ter uma média de sete anos e ocorre tanto por causa da paciente, que não procura assistência médica quando os sintomas começam a se manifestar, quanto pelo médico que não faz o diagnóstico no tempo correto em relação à doença”, comentou Abrão.
O tratamento da endometriose pode ser clínico, através analgésicos, anti-inflamatórios e hormônios para ajudar no controle dos sintomas. A cirurgia também é uma opção, principalmente para casos mais avançados. Geralmente a doença regride espontaneamente com a menopausa devido à queda na produção dos hormônios femininos que alimentam o crescimento da doença.