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Em queda livre: contagem de espermatozoides cai pela metade em 45 anos

O fenômeno ainda está sob investigação no mundo

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h11 - Publicado em 26 nov 2022, 08h00
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  • Na história da humanidade, fertilidade sempre foi um tema relacionado ao gênero feminino. Homens são capazes de produzir espermatozoides a vida toda e, salvo alguma enfermidade, estão aptos a procriar até morrer. Já as mulheres nascem com o número de óvulos programado para acabar e têm a vida reprodutiva limitada, o que fez recair sobre elas, mais do que sobre eles, o ônus de manter a população da Terra crescendo e se multiplicando. Há já alguns anos, porém, que os especialistas observam tropeços inesperados na linha de produção masculina, com sinais de que a fabricação de sêmen pode estar declinando. Agora, a suspeita se confirmou: de fato, a concentração de espermatozoides, em testes realizados em diversos países, está em queda sistemática e contínua.

    Publicado no periódico científico Human Reproduction Update, o mais amplo levantamento feito até hoje sobre o tema revelou que entre 1973 e 2018 houve um retrocesso de 51,6% na quantidade de espermatozoides por mililitro de sêmen. No primeiro ano analisado, a taxa superava 100 milhões de espermatozoides por mililitro. Passados 45 anos, o total desabou para 49 milhões. O cálculo tomou por base os resultados de 223 pesquisas realizadas durante o período em 53 países, entre eles o Brasil, com amostras doadas por voluntários. A mesma equipe, liderada por pesquisadores da Universidade Hebraica, de Israel, já havia investigado a contagem — com a mesma conclusão de queda significativa — em 2017, mas naquela ocasião as amostras foram coletadas apenas na América do Norte, Europa e Austrália.

    Na versão atualizada entraram as estatísticas das Américas Central e do Sul, da África e da Ásia. “O declínio também está em curso nas outras regiões, sugerindo se tratar de um fenômeno global”, ressalta Anderson Andrade, da Universidade Federal do Paraná, um dos coautores da pesquisa. Postos diante da nova realidade, os estudiosos agora querem determinar o que está por trás da redução na produção de espermatozoides e quais as consequências dessa diminuição. Por enquanto, o fenômeno não afeta a capacidade reprodutiva masculina — mesmo em baixa, a contagem aferida no levantamento está dentro do parâmetro considerado saudável, que abrange concentração de 15 milhões a 200 milhões de espermatozoides por mililitro de sêmen. Mas, como a queda tem sido consistente, a preocupação é onde isso vai parar.

    arte espermatozoide

    Uma das maneiras testadas e aprovadas de melhorar a concentração de espermatozoides é evitar doenças e maus hábitos decorrentes da vida moderna. Obesidade, consumo excessivo de álcool, tabagismo, exposição contínua à poluição e a infecções sexualmente transmissíveis estão entre os fatores que impactam a proliferação das células reprodutivas. Mas a questão é complexa e tem feito os especialistas se debruçarem sobre outras possíveis causas. Há indicações de que também podem influir na produção os tratamentos de câncer e o contato com substâncias presentes em plásticos, como os ftalatos e o bisfenol-A — esse último proibido em mamadeiras no Brasil desde 2012.

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    Na lista dos vilões estão ainda algumas doenças virais, entre elas a caxumba, comprovadamente associada à infertilidade masculina. É possível prevenir sua incidência por meio de vacina, mas ela segue fazendo vítimas por puro e simples relapso: em julho, menos da metade das crianças brasileiras havia recebido doses da tríplice viral, que protege contra caxumba, sarampo e rubéola. Ainda na seara dos vírus, há casos que aguardam explicações, como a associação entre a Covid-19 e a queda na produção de espermatozoides. Diversos estudos mostraram interferência da infecção pelo coronavírus nessa contagem. Um deles, publicado em julho no Journal of Medical Virology, analisou 100 homens que se recuperaram da doença e outros 100 que não haviam sido contaminados. Constatou-se que, entre os infectados, a concentração de espermatozoides era menor. A princípio, o efeito pode ser revertido em até três meses, mas a comunidade científica adverte que o assunto exige investigação mais aprofundada.

    Da mesma forma, é preciso investir mais em debates acadêmicos, como o que discute o impacto na sociedade da redução no número de filhos por casal e do uso de técnicas da medicina de reprodução assistida. Duas marcas dos tempos modernos, elas buscam objetivos diferentes — uma não quer procriar, a outra oferece a chance de gerar descendentes por meios artificiais —, mas ambas interferem na maneira pela qual a humanidade se expande. A contínua queda na concentração de espermatozoides serviu para abrir os olhos dos cientistas para a necessidade de ampliar o conhecimento sobre a máquina reprodutiva masculina — evitando-se dar à queda contornos de prenúncio de uma catástrofe. “Não acho que a humanidade está fadada à extinção”, avalia Daniel Zylbersztejn, da Sociedade Brasileira de Urologia. “Mas devemos prestar mais atenção na qualidade da vida dos homens, principalmente naqueles que moram nas grandes cidades”, completa. Está dado o aviso.

    Publicado em VEJA de 30 de novembro de 2022, edição nº 2817

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