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Ecstasy avança para aprovação como tratamento para doenças mentais

O 1º em estudo fase final já realizado com a substância comprova que ela é eficaz no tratamento de pacientes com transtorno de stress pós-traumático grave

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 Maio 2021, 20h09 - Publicado em 13 Maio 2021, 10h53

O uso de psicodélicos – drogas que alteram o nível de consciência – no tratamento de doenças mentais deu um novo e importante passo: o primeiro estudo fase 3, a etapa mais avançada de testes clínicos, de uma terapia assistida por MDMA mostrou resultados extremamente positivos. No estudo, publicado na segunda-feira, 10, na revista científica Nature Medicine, pesquisadores da Universidade da Califórnia em São Francisco, nos Estados Unidos, analisaram a eficácia e segurança do MDMA, princípio ativo do ecstasy, no tratamento de pacientes com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

Participaram do estudo 90 voluntários que apresentavam a forma grave da doença e conviviam com o transtorno há pelo menos 14 anos. Muitos tinham histórico de abuso de álcool e outras substâncias e 90% haviam pensado em suicídio.

Eles foram divididos em dois grupos: metade recebeu a substância e os demais, um placebo. Mas engana-se quem acha que basta tomar doses diárias de MDMA. Ao contrário dos medicamentos tradicionais, os psicodélicos não funcionam como uma pílula diária, que atua nos sintomas das doenças psiquiátricas.

Na verdade, o tratamento em si consiste em sessões semanais de terapia e algumas dessas sessões – de duas a três – são feitas com a ajuda das substâncias. Isso significa que o MDMA tomado isoladamente, não produz um efeito benéfico. Já o MDMA combinado com a terapia parece permitir que o cérebro processe memórias dolorosas e se cure.

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Sessões intensas de terapia

No estudo com MDMA, os pacientes primeiro realizaram sessões preparatórias com dois terapeutas treinados. Em seguida, em três sessões de oito horas cada, realizadas com intervalos de um mês, eles receberam um placebo inativo ou uma dose de MDMA.

O protocolo rigoroso de cinco meses incluiu um total de 42 horas de terapia, consistindo de 12 sessões de psicoterapia com 90 minutos de duração sem a droga, espaçadas ao longo de três meses e meio. Entre elas, foram intercaladas as três sessões experimentais com a substância. O estudo foi duplo-cego, isso significa que nem os participantes nem os pesquisadores sabiam quem estava tomando a droga ou o placebo.

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Antes do início da primeira sessão, os participantes do grupo de MDMA receberam uma dose de 80 mg da droga na forma de um comprimido. Entre 90 minutos e duas horas e meia depois, eles receberam uma dose complementar de 40 mg. Na segunda e terceira sessões, a dose inicial foi aumentada para 120mg, seguida de 60 mg durante o aconselhamento. Para efeito de comparação, o conteúdo médio de MDMA das pílulas de ecstasy é de cerca de 125 mg. Os chamados “super comprimidos” podem conter mais de 250 mg de MDMA.

Resultados promissores

Os resultados mostraram que aqueles que receberam doses de MDMA durante as sessões de terapia apresentaram uma redução significativamente maior na gravidade de seus sintomas em comparação com aqueles que receberam terapia e um placebo. Dois meses após o tratamento, 67% dos participantes no grupo de MDMA estavam curados da doença, em comparação com 32% no grupo de placebo.

Além de aliviar os sintomas do transtorno em si, que incluem flashbacks, pesadelos ou mesmo sons e cheiros que fazem com que as memórias voltem à tona, os pesquisadores descobriram que a droga também ajudou a diminuir os sintomas depressivos associados ao transtorno.

Cerca de 88% dos participantes do grupo do MDMA experimentaram uma redução significativa nos sintomas, em comparação com 60% no grupo do placebo. É comum pessoas com TEPT apresentarem uma série de outros transtornos, incluindo ansiedade, depressão, insônia, abuso de substâncias e transtornos alimentares

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“É muito comovente ver a melhora dessas pessoas, que convivem há tanto tempo com a doença, em um curto intervalo de tempo. E, principalmente, o potencial desse tipo de tratamento na vida de muita gente, incluindo pessoas com quadros mais leves”, diz à VEJA o neurocientista Eduardo Schenberg, diretor presidente do Instituto Phaneros, que realiza pesquisas com psicoterapia assistida por psicodélicos no Brasil.

O perfil de segurança do tratamento, outra grande preocupação entre especialistas, também se mostrou extremamente positivo. A pressão arterial, a temperatura corporal e a frequência cardíaca dos participantes foram medidas antes da administração da dose suplementar, para garantir que eles estavam tolerando bem a droga.

Nenhum efeito colateral grave foi relatado entre os participantes que receberam o MDMA. Houve apenas sintomas leves e temporários, como náuseas e perda de apetite. “As maiores preocupações de psiquiatras e profissionais de saúde com o uso de psicodélicos são a possibilidade de surto psicótico e de dependência química. o risco de dependência química com psicodélicos é praticamente inexistente. O abuso existe, mas o vício é extremamente raro pela própria forma como essas substâncias funcionam. Quando ao risco de surto psicótico, estimativas mostram que ele é baixíssimo”, explica Schenberg.

Pesquisas em animais e humanos confirmam que o MDMA não produz efeitos neurotóxicos nas doses administradas em testes clínicos. “É importante deixar claro que MDMA não é a mesma coisa que ecstasy. Há uma diferenciação entre a substância do estudo e a consumida ilicitamente, que tem muitos contaminantes potencialmente perigosos”, diz o neurocientista.

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Como age

A ciência ainda não entende totalmente a origem dos efeitos terapêuticos do MDMA, mas sabe-se que a substância tem um efeito fisiológico e modifica temporariamente algumas funções cerebrais que alteram o comportamento das pessoas e a forma como elas processam o trauma e as emoções. O MDMA aumenta o nível de serotonina, um neurotransmissor que, entre outras coisas, está associado a melhora do humor, e fortalece seu sinal químico.

A substância também eleva os níveis de oxitocina, dopamina e outros mensageiros químicos, produzindo sentimentos de empatia, confiança e compaixão. Há um aumento da atividade cerebral no córtex pré-frontal, chave para o processamento de informações, e desaceleração da amígdala, estrutura envolvida na motivação e no comportamento emocional, como aquele movida pelo medo e pelo pânico.

Mas seu principal efeito terapêutico pode vir de sua aparente capacidade de reabrir o que os neurocientistas chamam de “período crítico”, a janela durante a infância quando o cérebro tem a capacidade superior de fazer novas memórias e armazená-las. Tudo isso faz com que durante as sessões de MDMA, os sujeitos tornem-se emocionalmente mais flexíveis e capazes de explorarem memórias difíceis. Muitos experimentam uma mudança duradoura em sua resposta aos gatilhos emocionais.

Mudança de paradigma

Por todas essas razões o tratamento com drogas psicodélicas representa uma mudança de paradigma na abordagem da saúde mental. A expectativa é que o MDMA seja o primeiro psicodélico aprovado para o tratamento de doenças mentais nos Estados Unidos. Além deste estudo, a FDA, agência que regula medicamentos nos EUA e uma das mais criteriosas no mundo, pediu a realização de um segundo teste clínico fase 3 com resultados positivos para aprovar o tratamento. Esse novo estudo já está em andamento, com a participação de 100 voluntários. A expectativa é que a aprovação aconteça em 2023.

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Quando acontecer, irá abrir caminho para a aprovação de outros psicodélicos, como a psilocibina, o princípio ativo dos cogumelos mágicos, que mostrou-se promissora no tratamento da depressão. Há também estudos com LSD, ibogaína e ayahuasca no tratamento de inúmeras condições de saúde mental de difícil tratamento, incluindo abuso de substâncias, transtorno obsessivo-compulsivo, fobias, transtornos alimentares, depressão, ansiedade em doentes terminais e ansiedade social em adultos autistas.

“Sem dúvida nenhuma, os psicodélicos representam uma mudança muito grande no modelo de tratamento das doenças mentais. Mas é preciso deixar que claro que não é uma panaceia. Como todo tratamento, esse não será indicado para todo mundo. É preciso fazer uma triagem rigorosa porque são substâncias que mexem com o sistema cardiovascular, por exemplo. Pessoas com problemas e histórico de esquizofrenia e psicose também não devem tentar. Além disso, quando for aprovado para uso clínico, o acesso não será fácil. É necessário ter clínicas especializadas, com profissionais treinados para aplicar esse tipo de tratamento”, esclarece Schenberg.

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