Endêmica há anos, por que só agora a varíola dos macacos se espalhou?
Cientistas indicam a queda das restrições contra a Covid-19, baixa imunidade da população, retorno das festas e a negligência com o vírus
A varíola dos macacos é assunto atual, mas sua existência não é de hoje. Na verdade, o vírus monkeypox, que provoca a doença, é estudado desde a década de 1970, sendo detectado em pelo menos onze países do continente africano. O que os cientistas investigam, porém, é por que somente agora o vírus começou a se espalhar pelo mundo, a ponto de ser considerada uma nova emergência internacional de saúde pública?
Ainda não há uma explicação clara, mas especialistas atribuem a algumas questões como o abandono das medidas restritivas de contenção do coronavírus, que provocou a pandemia da Covid-19, a queda geral da imunidade das pessoas em relação a esse vírus e a negligência a essas doenças que, erroneamente acredita-se, ficarão apenas em um local específico.
Em entrevista à BBC News Brasil, cientistas disseram que já “haviam sinais claros” de que essa doença poderia se espalhar. “Uma hora ou outra uma situação dessas ia estourar. A questão é que não damos atenção aos indícios que vêm dos países menos desenvolvidos”, declarou Clarissa Damaso, virologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ), assessora da Organização Mundial da Saúde (OMS) e integrante de comitês de pesquisa sobre agentes infecciosos como o monkeypox e o causador da varíola humana. “Para completar, cada vez mais pessoas vão trabalhar ou passear nas áreas onde esse vírus é endêmico”, completa sobre a cadeia de transmissão da doença, que começou há cerca de três meses.
A médica também comentou sobre o fim das restrições contra a Covid-19. Segundo a especialista, a crise da varíola do macaco acontece justamente após a crise sanitária porque as pessoas passaram a sair mais e se aglomerar sem medo. Tanto que os primeiros casos de monkeypox, segundo autoridades de saúde, estariam associados às festas realizadas na Espanha e na Bélgica, em maio. Um vírus, que como o da Covid-19, começou por transmissão comunitária e não demorou muito para ser “exportado” para outros países e continentes.
Mas continua a pergunta do porquê nesse momento. Afinal de contas, antes da pandemia, já existiam os eventos, festas e aglomerações. Especialistas ainda não têm essa resposta, mas sugerem uma hipótese de mutação do vírus, que o teria tornado mais transmissível. Algo, porém, não tão provável, já que diferente do SARS-CoV-2 – um vírus de RNA – , o monkeypox é mais estável porque carrega DNA como código genético.
A principal forma de transmissão do monkeypox se dá por meio do contato direto e prolongado com as feridas características dessa doença, em especial o sexual, além de gotículas de saliva e o compartilhamento de objetos de uso pessoal como pratos, copos, talheres, roupas de cama e toalhas.
Outra questão levantada para o surto do monkeypox é relacionada à baixa imunidade contra esse tipo de vírus, que vem da família dos orthopoxvirus. Se uma pessoa tem contato com um deles, fica protegido de ser infectado pelos outros, por isso a eficácia da vacina contra a varíola humana, provocada pelo smallpox e já erradicada globalmente. Tanto que alguns estudos já sugerem uma certa proteção contra o monkeypox em pessoas que foram vacinadas há muito tempo. Essa é a explicação dada também para a grande maioria dos infectados serem pessoas com menos de 40 anos, que não receberam esse imunizante na infância.
Em suma, a mistura desses fatores – a queda das restrições contra a Covid-19, a baixa imunidade, o retorno das aglomerações, o padrão de transmissão e a negligência com o vírus –, segundo os especialistas, é a razão mais provável da nova emergência de saúde.
Vale lembrar que alguns países como Espanha, Reino Unido e Estados Unidos já começaram campanhas de vacinação contra o monkeypox. No Brasil, embora Marcelo Queiroga tenha anunciado a imunização em setembro, ainda não há uma data para a chegada das primeiras doses no país. O ministro também anunciou a chegada do antiviral tecovirimat, utilizado para o tratamento de casos de monkeypox e o Ministério da Saúde orientou que grávidas usem máscaras e camisinha para evitar a transmissão, mesmo não havendo evidências claras de proteção contra a doença. Leva-se em conta que é sexualmente transmissível e, por isso, a recomendação.
De acordo com o portal Our World In Data, o mundo registra 23,2 mil casos de monkeypox, sendo 1,3 mil no Brasil. Os óbitos por essa doença são considerados raros.