No imaginário do brasileiro, os vikings não eram lá o povo mais requintado do mundo. Representados como glutões insaciáveis, mostram-se em filmes ou em séries de streaming devorando o que parecem ser partes de corpos de animais assados na fogueira ou pratos repulsivos. Como é de esperar, a caricatura exagera no grotesco e não dá espaço ao comum. O fato é que os antigos habitantes da região que compreende Dinamarca, Islândia, Finlândia, Suécia e Noruega aproveitavam muito bem a variedade de peixes das águas frias que circundam as terras no norte da Europa. Fartavam-se, também, de sementes e de frutas vermelhas. Essa herança gastronômica ecoa ainda hoje no atual cardápio da região, sobejamente recomendado pelas autoridades da Organização Mundial da Saúde (OMS).
As evidências científicas amparam os celebrados benefícios. A dieta consiste na alta ingestão de peixes como salmão e arenque, óleos vegetais, cereais integrais e amoras e framboesas. Os peixes são ricos em ômega-3, substância potencialmente positiva para o coração. Os óleos fornecem gordura saudável. Os cereais, as fibras e as frutas contêm compostos que protegem as células de danos.
Ao histórico comprovadamente eficaz, somou-se na semana passada a chancela de um amplo e conclusivo estudo promovido pela Universidade de Copenhague, na Dinamarca. O trabalho comprovou que o menu escandinavo diminui os níveis de açúcar e de colesterol nocivo no sangue e o risco de hipertensão arterial. Assim, ajuda a evitar fatores que induzem ao infarto e ao acidente vascular cerebral. E faz isso sem levar à perda de peso — evitando, portanto, riscos desnecessários para o metabolismo atrelado ao emagrecimento exagerado. Na pesquisa, foram examinadas amostras de sangue e de urina de 200 pessoas com mais de 50 anos, todas com elevado índice de massa corporal (IMC), que classifica o peso dos indivíduos entre adequado, sobrepeso, obesidade e obesidade mórbida. Eram indivíduos com risco aumentado de desenvolver diabetes tipo 2 associada ao acúmulo de peso. Os participantes foram divididos em dois grupos: um seguiu a dieta nórdica e o outro, o cardápio universal. Os que adotaram as raízes vikings tornaram-se clinicamente mais saudáveis, independentemente do peso. “Eles apresentaram níveis mais baixos de colesterol e de gordura saturada e insaturada e melhor regulação da glicose”, diz Lars Ove Dragsted, autor do estudo e chefe de seção de Nutrição, Exercício e Esportes da Universidade de Copenhague.
Seria adequado transpor a bem-sucedida dieta nórdica para o Brasil? Em termos, porque nem todos os produtos de lá existem pelas bandas de cá. O arenque, por exemplo, é difícil de ser encontrado e sempre a preços naturalmente exagerados. Frutas vermelhas, idem. Por aqui, é mais fácil seguir os preceitos da dieta mediterrânea, próxima de nossos hábitos alimentares (veja no quadro). “Salmão e arenque podem ser trocados por sardinha e cavala, que têm ômega-3”, diz o nutrólogo Márcio Velasques, pós-graduado pela Associação Brasileira de Nutrologia e membro da Obesity Medicine Association, nos Estados Unidos. Há opções ainda mais simples, porém repletas de bons nutrientes, como uma salada de tomate temperada com azeite e limão. As frutas dão lugar ao açaí e à jabuticaba, tipicamente brasileiros e invejados por estrangeiros. É possível, portanto, comer como um viking dos trópicos, e os resultados são comprovadamente bons. Convém apenas não exagerar, como em qualquer dieta — até que surja uma nova onda, no moto contínuo que alimenta a civilização.
Publicado em VEJA de 30 de março de 2022, edição nº 2782