Há duas semanas, a Amil reacendeu um debate no universo médico. Em parceria com o Hospital Albert Einstein, de São Paulo, a operadora lançou um serviço de consultas a distância para os seus clientes. Pacientes com queixas comuns como gripe, tosse, dor de garganta e náuseas poderão ser atendidos por teleconferência em qualquer momento do dia. Inicialmente, o atendimento médico virtual está disponível para os 180 000 clientes premium do plano de saúde. A expectativa é expandir o benefício.
O anúncio, que poderia ser celebrado como uma grande conquista, provocou reações das entidades médicas por todo o país. O Conselho Federal de Medicina (CFM), órgão que regula a atividade do setor, pediu explicações às empresas e pode recorrer a meios jurídicos para barrar o serviço. “Se toda operadora e todo hospital quiserem lançar serviços por iniciativa própria, quem vai sofrer as consequências disso é a população brasileira”, diz Mauro Ribeiro, vice-presidente do CFM. A Associação Médica Brasileira (AMB) classificou o novo serviço de “utilização temerária, sem o devido amparo legal” e denunciou a Amil à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula os planos. A Sociedade Brasileira de Pediatria, em documento enviado ao Ministério Público, pronunciou-se contra a telemedicina para o público infantil, cujo “desenvolvimento saudável” ganharia com “o contato com o médico pediatra”.
Os defensores da telemedicina ressaltam que toda essa gritaria desfavorável à iniciativa da Amil e do Einstein se deve mais a razões corporativas do que a legítimas cautelas médicas ou científicas. Além de proporcionar agilidade no atendimento, o que algumas vezes pode salvar vidas, a telemedicina praticada com critério é segura e, evidentemente, um avanço para os serviços de saúde.
Em fevereiro deste ano, o CFM chegou a publicar uma resolução de oito páginas que autorizava a telemedicina. Entre as modalidades de medicina a distância permitidas estavam o diagnóstico (com exames transmitidos pelo computador), a triagem (uma orientação para o próximo passo do cuidado) e a cirurgia (mediada pelos braços de um robô). Poucos dias depois, no entanto, o CFM recuou, por pressão de conselhos regionais e entidades médicas. Com isso, voltaram a valer regras de 2002, que não permitiam nada disso. O órgão abriu então uma consulta pública para ouvir a opinião dos especialistas, que se encerra no fim do mês. Até agora, recebeu cerca de 1 500 contribuições.
O Einstein, no centro da polêmica, aplica a telemedicina de forma experimental desde 2012. Só neste ano, atendeu cerca de 80 000 pacientes a distância. O hospital acumulou resultados positivos, segundo seu presidente, Sidney Klajner: “Nesses sete anos, nenhum evento adverso ocorreu e várias vidas foram salvas. Toda essa experiência foi adquirida respeitando-se os códigos de ética e a liberdade do exercício profissional”.
Duas das preocupações alegadas pelos opositores do serviço referem-se à qualidade e à experiência do profissional que fará o atendimento em vídeo e ao risco de um diagnóstico errado — mas a mesma preocupação valeria para o médico que dá uma consulta presencial. Se Amil e Einstein adiantaram-se, é porque o CFM se mostra demasiado moroso. Na aparência democrática, a consulta pública serviu para atenuar os ânimos políticos dos conselhos regionais, mas atrasou a regulamentação de práticas já estabelecidas nos Estados Unidos e na maior parte da Europa. Seria salutar que empresas e órgãos reguladores trabalhassem juntos, e não em conflito.
Publicado em VEJA de 24 de julho de 2019, edição nº 2644