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Câncer: o primeiro tratamento 100% individualizado é feito no Brasil

O paciente, de 62 anos, tem linfoma não Hodgkin de alto risco. Em menos de 20 dias após o início da tratamento, ele não apresenta mais sinais da doença

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 out 2019, 23h59 - Publicado em 10 out 2019, 20h09
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  • O mineiro Vamberto Luiz de Castro, de 62 anos, é o primeiro paciente a receber um tratamento totalmente individualizado contra câncer. O tratamento consiste na técnica mais arrojada já empregada na oncologia e foi totalmente desenvolvido no Brasil. Conhecido como CAR-T, o método é personalizado e associa a imunoterapia à engenharia genética.

    Ao contrário dos medicamentos disponíveis atualmente, cada dose é customizada para o paciente e, para isso, há uma logística complexa. Atualmente, somente o Centro de Terapia Celular (CTC-FAPESP-USP) do Hemocentro de Ribeirão Preto, ligado ao Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, unidade da Secretária de Estado da Saúde, desenvolve a medicação no Brasil. No momento, eles só são capazes de realizar um tratamento por vez. Mas há expectativa para ampliação dessa capacidade em breve.

    Vamberto foi diagnosticado com linfoma não Hodgkin de alto risco, um câncer hematológico grave, há dois anos. Entre setembro de 2017 e junho deste ano, foi submetido a quatro tratamentos diferentes, sem sucesso. A nova terapia era sua última esperança. Em menos de 20 dias após o início da tratamento, ele não apresenta mais sinais da doença.

    “Tratando-se de câncer, ainda é cedo para dizer que ele está curado, mas ele não apresenta mais sinais da doença e era um paciente que já estava em cuidados paliativos”, diz o hematologista Dimas Tadeu Covas, coordenador do Centro de Terapia Celular (CTC) do Hemocentro do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCRP) da Universidade de São Paulo.

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    O linfoma é um tipo de câncer que afeta o sistema imunológico. Vamberto, sofria de uma forma avançada de linfoma de células B. Após todos os tratamentos de quimioterapia e radioterapia falharem, o prognóstico era de menos de um ano de vida.

    Em menos de 20 dias após o início do tratamento, exames mostraram que as células cancerígenas desapareceram. Os sintomas – suores noturnos, perda de peso e nódulos no pescoço – e as dores também sumiram. “Esse era um paciente que precisava de morfina para controlar as dores e tinha nódulos grandes pelo corpo todo. O resultado é incrível.”, comemora Covas. A alta é esperada para sábado, 12. Vamberto será acompanhado por pelo menos 10 anos.

     

    Desenvolvimento nacional

    A técnica utilizada em Vamberto é extremamente complexa e exige equipamentos de ponta. Atualmente, poucos países no mundo tem capacidade para produzir essas células, incluindo EUA, Reino Unido, China, Japão, entre outros. Esse fato coloca o Brasil no mesmo patamar de inovação de países desenvolvidos.

    A pesquisa que deu origem ao desenvolvimento do tratamento começou há cerca de cinco anos, no CTC, em um projeto financiado pela Fapesp. Um prêmio recebido pelo hematologista Renato Cunha, membro da equipe, em 2017, para o desenvolvimento de vetores brasileiros ajudou a colocar o projeto em prática.

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    “O desafio era conseguir realizar o CAR-T com vetores nacionais e não comprados prontos, de farmacêuticas que já desenvolveram a técnica. E deu certo. Estamos desenvolvendo outros vetores e, em breve, trataremos leucemia e mieloma múltiplo e vamos caminhar em direção aos tumores sólidos. Essa ainda é uma fronteira, mas estamos ansiosos para isso”, diz Renato Cunha, diretor técnico do Centro de Transplante de Medula Óssea do HCRP.

    O tratamento

    O primeiro passo é extrair uma amostra de 200 mililitros de sangue do doente. Desse material, separam-se os linfócitos T, as células que comandam a sinfonia do sistema imunológico. Em laboratório, essas células são alteradas de modo a receber um receptor, o CAR, uma partícula desenhada para se dirigir a um alvo específico — no caso, o CD19, uma molécula encontrada na superfície das células com linfoma não Hodgkin de alto risco e também outros tipos de tumores, como a leucemia linfoide aguda.

    O segundo passo é fazer com que os linfócitos T, já com o CAR (transformado em CAR-T, portanto), se multipliquem. Quando injetados de volta na corrente sanguínea, essas células poderosas continuam a se multiplicar e passam a fazer parte do sistema de defesa do organismo. Os novos linfócitos são treinados para reconhecer e matar especificamente as células cancerígenas. Em poucos dias, o câncer desaparece.

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    “As células T nos defendem contra infecções e o tumores. Mas em determinado momento, o tumor consegue driblar esse mecanismo e a célula não o reconhece mais. É quando ele começa a crescer. A modificação basicamente dá à célula um novo receptor que faz com que ela enxergue o tumor. É como um mecanismo chave-fechadura. A célula modificada tem uma chave que reconhece uma fechadura específica, que está no tumor, que precisa ser destruído.”, explica Cunha.

    O procedimento na prática

    Todo o procedimento deve ser realizado em ambiente hospitalar. No caso de Vamberto, a internação ocorreu seis dias antes da infusão das células, que é feita por uma transfusão sanguínea. Uma vez inseridas no corpo do paciente, essas células se multiplicam e começam seu trabalho.

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    No dia seguinte à infusão, começou a febre, um sinal que as células CAR-T estavam agindo. Cinco dias depois, tinha início o momento mais crítico. A ação massiva das células CAR-T desencadeiam uma tempestade de citocinas, que é uma inflamação generalizada.  Os sintomas desse processo incluem queda súbita de pressão, dificuldade para respirar e inchaço dos órgãos. Em alguns casos, essas reações graves, em pacientes já debilitados pela doença, podem ser fatais.

    Para melhor controle dos sintomas, o paciente deve ser transferido para uma unidade de terapia intensiva, onde permanece até a estabilização do quadro. “Nós usamos um remédio que bloqueia essas citocinas, sem prejudicar o processo do CAR, porque essas citocinas fazem o CAR crescer mais e matar mais tumor. Precisamos delas para a eficácia do tratamento, mas em uma quantidade que não mate o paciente. Essa tempestade varia do grau 1 ao 4. Vamberto teve até o grau 3 e depois começou a melhorar”, explica Cunha.

    A partir do sexto dia após a infusão, já era possível detectar 30% de células CAR-T no sangue do paciente. Isso significa que o tratamento está sendo bem sucedido e as células estão se proliferando. Em uma semana já era possível ver melhora nos sintomas clínicos. Com o passar do tempo, exames mostraram a redução do tumor até a remissão do câncer. Nos Estados Unidos, o índice de remissão da doença, entre linfomas terminais, é superior a 80% após 18 meses da realização da terapia celular. Na leucemia de células B, essa taxa ultrapassa os 90%. “Antes das células CAR-T, esses pacientes tinham só 5% de chance de sobrevivência. Mudou totalmente a história da doença”, comemora Cunha.

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    Ao contrário dos medicamentos comuns, como a quimioterapia ou terapias-alvo, que têm um tempo determinado de efeito no organismo, as células CAR-T permanecem por muitos anos no corpo do paciente. É como dar uma droga viva ao paciente. A vida útil de uma célula varia entre 30 e 50 anos e enquanto ela estiver viva, o paciente estará protegido contra  esse tipo de turmo, pelo menos.

    Inclusão no SUS

    A primeira aprovação de uso para CAR T-cells veio em 2017, nos EUA, onde já é usada no tratamento de crianças e jovens com leucemia linfoide aguda (LLA) e adultos com linfoma difuso de células B. O problema é o custo. Desenvolvido pela Novartis, o Kymriah (tisagenlecleucel), custa 450.000 dólares, cerca de 1,9 milhão de reais. Mas o custo total tratamento, incluindo despesas médicas, como internação hospitalar, chega à casa do milhão de dólares (mais de 4 milhões de reais)

    O custo do tratamento desenvolvido no Brasil varia entre 50.000 e 100.000 reais. A expectativa é que o CAR-T desenvolvido pelo CTC seja disponibilizada no SUS, no futuro. Mas antes disso acontecer, são necessários testes clínicos fases I,II e III e aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

    Por enquanto, ela é oferecida como protocolo de pesquisa para compassivo. Ou seja, todos os pacientes submetidos ao tratamento não têm outras opções terapêuticas e são eles que procuram a equipe e se oferecem para participar. O estudo clínico compassivo continua e deverá incluir mais 10 pacientes nos próximos 6 meses. A fila anda de acordo com critério de gravidade. De acordo com os pesquisadores, outro tratamento está prestes a começar em um homem de 35 anos.

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