Até pouco tempo atrás, a notícia soava a sentença de morte. Um tumor sorrateiro e agressivo avança sem dar sinais claros numa glândula situada no abdome que responde pela produção de hormônios e enzimas digestivas. É o câncer de pâncreas, condição que afeta quase 11 000 brasileiros por ano, representa 5% das mortes no universo oncológico e, geralmente detectado em fase adiantada, limita bastante as possibilidades de cura. Nessas circunstâncias, não só a cirurgia não consegue resolver o problema como, apesar das inovações na área, faltam medicamentos e outros recursos capazes de virar o jogo. Uma certeza persiste: o diagnóstico precoce faz toda a diferença em prol da sobrevivência e do bem-estar do paciente. Daí a proposta adotada por um hospital de São Paulo de cercar casos suspeitos e bater o martelo sobre a doença quanto antes, a fim de iniciar o tratamento em um prazo de até 72 horas. Essa agilidade é capaz de salvar vidas.
O programa One Stop Clinic, conduzido pelo A.C. Camargo Cancer Center, acaba de ser inaugurado com a missão de servir de atalho para os médicos flagrarem e contra-atacarem o tumor pancreático. Ele impõe obstáculos por ter sintomas inespecíficos, como quadros repentinos de diabetes e amarelamento da pele, que podem ser confundidos com outras enfermidades. Também não conta com exames de rastreamento, caso da mamografia (mama), colonoscopia (intestino) e toque retal (próstata). O diferencial do projeto paulistano é o estabelecimento de fluxos ao longo da jornada do paciente, com o encadeamento das agendas de exames e consultas para analisar, de forma célere, os achados. A integração das equipes e o uso de tecnologias para automatizar as etapas estão na base do protocolo. “Temos alertas imediatos que nos permitem discutir rapidamente e ter o resultado até de biópsias”, exemplifica o oncologista Felipe Coimbra, líder do Centro de Referência de Tumores do Aparelho Digestivo Alto do A.C. Camargo. A corrida contra o tempo se justifica. Um levantamento com dados de pacientes da instituição colhidos ao longo de quase vinte anos aponta um aumento de 460% nas chances de sobrevida quando as terapias entram em cena mais precocemente.
A meta é não deixar o câncer arruinar a glândula responsável pela fabricação da insulina — hormônio essencial para o controle dos níveis de açúcar no sangue — e de substâncias que participam da digestão de proteínas e gorduras. Mais do que isso, procura-se antecipar-se à disseminação das células tumorais por outros órgãos e tecidos, a metástase, o que derruba as chances de remissão da doença.
Na oncologia, a rapidez entre diagnóstico e tratamento é uma máxima prevista por lei que, desde 2012, determina um prazo de sessenta dias entre as fases de reconhecimento e abordagem do problema, porém, isso nem sempre é cumprido. Uma pesquisa da empresa ALS Brasil e da biofarmacêutica Bristol Myers Squibb indica que 95% dos pacientes passam por até quatro especialistas até receber o diagnóstico e 74% só estão aptos a iniciar o tratamento em ao menos três meses. O fluxo de marcação de exames e consultas que resultará no laudo é a maior barreira, relatada por 60% das pessoas ouvidas.
Além da carência de sintomas e das lacunas no acesso, o câncer de pâncreas se aproveita de alguns hábitos extremamente populares. É o caso de tabagismo, consumo nocivo de álcool e dieta rica em ultraprocessados, que elevam o risco de alterações no órgão. O controle da doença, portanto, requer uma força-tarefa que abrange inclusive a conscientização e a mudança de estilo de vida. “É mais fácil ensinar uma criança a não comer certos alimentos e a praticar atividade física do que tratar o tumor”, afirma Rodrigo Nascimento Pinheiro, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO). Outra estratégia crucial, reafirme-se, está na identificação ágil e assertiva. Quanto antes, melhor.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910