Pesquisadores do Instituto Butantan, em parceria com a Universidade São Francisco (USF), desenvolveram um composto promissor, capaz de inibir uma das principais enzimas associadas à doença de Alzheimer.
O estudo, publicado no periódico Frontiers in Pharmacology, baseou-se em um peptídeo (um conjunto de aminoácidos) modificado em laboratório a partir de uma proteína presente no peixe merluza (Merluccius productus), seguindo uma tradição de pesquisa com espécies aquáticas de quase 30 anos, sobretudo em sua plataforma científica voltada ao estudo do peixe paulistinha.
Os resultados indicam que o composto, administrado a animais, atingiu o cérebro em apenas duas horas. Já em testes in vitro, em culturas de células, bloqueou eficazmente a atividade da BACE-1, uma das principais enzimas associadas ao Alzheimer em neurônios afetados pela doença.
A bióloga Juliana Mozer Sciani, do Programa de Pós-graduação em Toxinologia do Butantan e da USF, destaca que o peptídeo reduziu a quantidade de beta-amiloides, as proteínas tóxicas relacionadas à devastação causada pela enfermidade, apresentando-se como uma promissora opção de tratamento.
Promessa que vem do mar
A proteína original do peixe marinho, descoberta por pesquisadores asiáticos em 2019, teve sua sequência disponibilizada em um banco de dados utilizado pelos cientistas brasileiros. A versão alterada em laboratório, mais eficaz contra a BACE-1, foi obtida graças às modificações na sequência do peptídeo feitas por Juliana e equipe.
Os testes até o momento indicam a alta estabilidade e segurança do novo peptídeo. Nos modelos animais, observou-se que ele percorreu órgãos como pulmão, pâncreas, baço e fígado, sendo metabolizado, sem acumular-se em nenhum deles. Após seis horas, concentrou-se no rim e foi eliminado pela urina, sem causar inflamação ou danos celulares.
A biomédica Bianca Cestari, especializada em biologia molecular e responsável pela plataforma de Microscopia Intravital, explica que esse tipo de testagem chama-se farmacocinética e revela como a substância se desloca no organismo, esclarecendo questões como o intervalo de administração do medicamento.
Por que tomamos alguns remédios de 6 em 6 horas, e outros de 12 em 12, por exemplo? Porque foi feita uma análise de como o fármaco age e se dispersa no corpo, a fim de saber quanto tempo leva para ter a ação e quanto tempo ele demora para sair, elucida a especialista.
Apesar dos resultados positivos, os pesquisadores enfatizam que os testes em pacientes e a transformação do composto em um produto podem demandar bastante tempo. Os próximos passos envolvem testes em animais com Alzheimer (por ora a avaliação foi focada em animais saudáveis), visando avaliar a eficácia e a segurança do composto.