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Até quando? As previsões de especialistas para o fim do isolamento

Há imensa ansiedade para a volta à normalidade possível — cientistas indicam pelo menos mais um mês, desde que o isolamento seja respeitado à risca

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Mariana Rosário Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h08 - Publicado em 3 abr 2020, 06h00

Parece uma eternidade, e não se passaram mais de vinte dias desde que o governo do Estado de São Paulo decretou, pioneiramente no Brasil, severas medidas de distanciamento social para combater a pandemia de Covid-19. A partir daí, o país parou, com algumas distinções em cada região — congelamento necessário, imposto pelo mantra que atravessa o mundo, ancorado em três palavrinhas mandatórias: fique em casa. E é para ficar mesmo. Mas até quando teremos de estar confinados? Ou, em outros termos: quando conseguiremos retomar o cotidiano de modo relativamente normal, sem riscos para a saúde, mas em ritmo que autorize ar respirável e luz para a economia? Não há, evidentemente, uma resposta clara, muito menos única.

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No entanto, a curva de casos, mortes e, sobretudo, recuperações em países que chegaram antes ao drama, além de vastos estudos de epidemiologia e projeções matemáticas, oferece um cauteloso — cauteloso, insista-se — otimismo. Um modo inaugural de enxergar alguma saída é olhar para a região de Hubei, na China, epicentro do espraiamento do coronavírus, identificado pela primeira vez logo depois do Natal de 2019, então como “uma pneumonia atípica de causa desconhecida” e que, na quinta-feira 2, tinha alcançado a triste marca de mais de 1 milhão de casos, 8 000 deles no Brasil. Em 23 de janeiro, a cidade mais populosa do condado chinês — Wuhan — entrou em um processo chamado de “isolamento sanitário”. Tudo fechou — ruas, escolas, estabelecimentos comerciais. Em 24 de março, depois de exatos dois meses, a pétrea decisão foi levantada.

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PREPARATIVOS - O Pacaembu, em São Paulo: transformado em hospital de campanha, para liberar leitos do serviço público (Rahel Patrasso/Reuters)

Aos poucos, os meios de transporte público em Wuhan começam a funcionar, com usuários de máscara, e as aulas são retomadas gradativamente (embora as salas de cinema permaneçam com cadeados). Vive-se, enfim, fora do enclausuramento — ainda que com receio permanente. Tudo somado, eis uma perspectiva, empírica, baseada no exemplo da China: temos ainda pelo menos outro mês de quarentena no Brasil. Se o cálculo levar em conta a eclosão do primeiro caso, aplicando-se a toada por aqui, o prazo se estenderá por mais trinta dias. Seria plausível, portanto, o restabelecimento da normalidade a partir do fim de maio, início de junho. Mas não para todos ao mesmo tempo. O provável, segundo expectativa de técnicos do Ministério da Saúde, não revelada oficialmente: a normalidade mesmo só voltará em setembro. Diz Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, em São Paulo, uma das vozes mais respeitadas do país quando se fala de vacinas, interlocutor preferencial das autoridades de saúde: “Se seguirmos rigorosamente a orientação de afastamento, evitando a circulação de pessoas, poderemos ter um quadro positivo lá na frente”. Por ora, não — e espera-se um salto de internações nos próximos quinze dias.

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A experiência chinesa, em que pese a possibilidade de um segundo e até mesmo um terceiro surto, representa uma janela de horizonte. Embora seja compulsório registrar as diferenças: a ditadura mandou prender quem ousasse abrir a porta para a rua; havia testes em profusão, separando sãos de enfermos; e deu-se, é sempre bom sublinhar, uma exibição da extraordinária capacidade de movimentação oriental, que ergueu em apenas dez dias um hospital com 1 600 leitos. Ainda assim, apesar das evidentes discrepâncias, trata-se de um bom espelho.

Outros cenários, baseados em levantamentos rigorosos, entregam diferentes alternativas — bem mais sinistras. Há, grosso modo, duas perspectivas fundamentais no campo dos estudos de respeitadas instituições sobre o Brasil — uma em relação ao tempo de quarentena e a outra relativa ao número de óbitos. A primeira, desenhada por grupos como o da Universidade Simon Fraser, do Canadá, ao medir o vaivém virótico de uma cidade grande, Vancouver, adverte que são necessários ainda seis meses de vigília no Brasil, dado o tipo de quarentena costurado por aqui (algo em torno de 60% das pessoas com restrição de circulação). Detalhe: se isso for verdade, pulverizará nossa economia. O outro trabalho, dos cientistas do Imperial College, de Londres, ao focar a régua de mortes, sobretudo, e menos a linha temporal, é ainda mais assustador. Para eles, sem distanciamento social, haveria mais de 1 milhão de falecimentos no Brasil. Com restrições à locomoção de 45% da população, o pico iria a 627 000. Isolando-se 60% dos idosos, a 529 000. Com 75% em casa e aplicação massiva de testes, seriam 44 000 mortos.

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Eis a chave, fundamental para chegarmos ao melhor cenário: ampliar os testes, como fizeram a Alemanha e a Coreia do Sul, que frearam a letalidade. Na Alemanha, país com um dos menores índices de mortalidade em decorrência da Covid-19, de 1,3% (no Brasil, a média é de 3,8%), são realizados 2 023 exames de detecção por milhão de habitantes. No Brasil, apenas catorze por milhão. A Coreia do Sul, com índice de mortes semelhante ao alemão, começou a produzir testes para coronavírus desde o princípio. Quando o surto despontou, ela tinha capacidade de realizar mais de 10 000 exames por dia. Hoje, o país, que chegou a ser o segundo mais atingido pela pandemia, tem um dos melhores controles do surto e baixa taxa de letalidade. Foi debruçado nesse pacote de informações científicas, além de em permanente atualização probabilística apoiada em estudos da Universidade Stanford e da Fiocruz, que o governo do Estado de São Paulo montou um comitê de crise liderado por infectologistas e com o apoio de uma consultoria internacional (veja a reportagem na pág. 42). Eles também, é óbvio, se indagam: até quando?

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O quando depende do agora, do imediato — e também do que foi feito anteriormente. A decisão paulista de aplicar a quarentena foi dura e erroneamente criticada pelo governo federal nos primeiros dias. Mas, se há alguma possibilidade de normalização entre trinta e sessenta dias, ela acontece em razão dessa medida. “Foi uma iniciativa fundamental, que consideraram prematura, mas os dias mostraram que estava certa”, diz o infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), integrante do time de emergência. Um de seus pares, também da USP, Esper Kallás, afirma que o exagerado zelo na largada é imperioso em situações inéditas como a do surto atual. “Faltavam-nos dados precisos, e as referências, como as da China, poderiam não se aplicar ao Brasil”, explica ele.

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TRISTEZA – O Cemitério da Vila Formosa, em São Paulo: estudo inglês alerta para até 1 milhão de mortos no país (Andre Penner/ap/.)

O bom resultado da agressividade sanitária das autoridades de São Paulo: a transmissão do vírus no estado, que no início era de um doente para seis pessoas, caiu de um para apenas duas. Com taxa de contaminação mais lenta, ganha-se o tempo necessário para evitar a explosão do sistema público de saúde, cuja salvação podem ser os hospitais de campanha como o do Estádio do Pacaembu, na capital paulista, e o que está sendo erguido no Maracanã. Um levantamento do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde mostrou que em 72% das regiões do Brasil o número de leitos de UTI está abaixo da média recomendada — dez a trinta leitos para cada 100 000 habitantes. Por isso, reafirme-se, sair do isolamento é considerado um jogo de xadrez intrincado. Para o biólogo Atila Iamarino, doutor em microbiologia pela USP, “quanto mais severa for a quarentena, mais rápido ela poderá ser retirada”. Outro modo de freá-la, de mãos dadas com o enclausuramento, é controlar o contato dos doentes com os não doentes.

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Não por acaso, adequadamente, o Ministério da Saúde anunciou — à falta de testes, que precisam ser importados — um serviço de ligações telefônicas, alimentadas por inteligência artificial, de modo a distinguir as ditas “zonas quentes” de outras menos ameaçadoras. Desde 1º de abril, 125 milhões de brasileiros estão recebendo chamadas telefônicas com perguntas sobre a existência (ou não) de sintomas. Um colossal banco de dados indicará onde serão necessárias ações incisivas de equipes de saúde para evitar que o vírus se espalhe (ainda) mais. É a aposta do lado consciente do governo federal. E é boa.

O nome do jogo é cautela — ou, na citação do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, bebendo de Paulinho da Viola, “faça como um velho marinheiro, que durante o nevoeiro leva o barco devagar”. Na abertura de portas, dentro de dois meses, será crucial, novamente, copiar os exemplos bem-sucedidos. Além de Hubei, Hong Kong e Singapura, que adotaram medidas fortes de isolamento, começam a voltar ao dia a dia com cuidados como a manutenção do distanciamento, o uso massivo de máscaras, a evitação de aglomerações e a adoção do home office, para quem pode trabalhar de casa sem prejuízo. Eis o novo normal de um mundo que terá de conviver com o coronavírus, mesmo depois da criação de vacina e remédios comprovadamente eficazes, algo que não acontecerá antes de um ano.

Em futuro breve, a Covid-19 pode se tornar o que é a gripe hoje — um flagelo controlável, recorrente no inverno. Se tivéssemos permitido que a pandemia seguisse seu curso natural, sem intervenção, ela acabaria, talvez definitivamente, em cerca de doze meses, mas deixaria milhões de mortos, como aconteceu quando da gripe espanhola, que ceifou 50 milhões de vidas em 1918. Ninguém deseja esse cenário — e o preço, que fere a economia global, mergulhada na pior crise desde a II Guerra, é ficar em casa. Calmamente, como um velho marinheiro.

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Colaborou Edoardo Ghirotto

Publicado em VEJA de 8 de abril de 2020, edição nº 2681

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