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Anti-inflamatórios podem causar alterações no esmalte dentário em crianças

Pesquisadores brasileiros investigaram impactos de medicamentos de uso comum na infância

Por Julia Moióli, da Agência Fapesp
Atualizado em 4 jun 2024, 11h10 - Publicado em 30 nov 2022, 11h09
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  • Estudo feito na Universidade de São Paulo (USP) e divulgado na revista Scientific Reports revela que medicamentos anti-inflamatórios de uso comum na infância podem estar ligados a defeitos de desenvolvimento do esmalte dentário, que hoje ocorrem em aproximadamente uma em cada cinco crianças no mundo.

    Os autores, ligados às faculdades de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP-USP) e de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP), investigaram os efeitos de drogas como o celecoxibe e indometacina, que pertencem à classe dos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e representam – ao lado do paracetamol – o primeiro degrau da escada analgésica da dor da Organização Mundial de Saúde (OMS).

    Nos últimos anos, os dentistas da Clínica do Esmalte Dentário da FORP-USP, que pesquisam e lidam diariamente com o problema, vêm observando um aumento considerável no número de crianças atendidas com dor, manchas brancas ou amarelas e sensibilidade e fragilidade dos dentes, que inclusive acabam fraturados pela força da mastigação – todos sintomas clássicos dos defeitos de desenvolvimento do esmalte dentário do tipo hipomineralização, cuja causa central ainda é desconhecida. Como consequência, lesões de cáries aparecem mais rapidamente e com maior frequência nesses pacientes e suas restaurações apresentam menor adesão e mais falhas. E estudos indicam que essas pessoas chegam a trocar dez vezes mais as restaurações ao longo da vida.

    Uma coincidência despertou a curiosidade dos pesquisadores para se aprofundar no tema: a idade dos pacientes. Os primeiros anos de vida, quando os defeitos no esmalte se formam, coincidem com a época em que doenças são mais frequentes, muitas vezes com febres altas.

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    “Essas doenças geralmente são tratadas com anti-inflamatórios não esteroidais, que atuam inibindo a atividade das enzimas cicloxigenases (COXs) e a produção da enzima prostaglandina, cujos níveis se apresentam aumentados”, diz Francisco de Paula-Silva, professor do Departamento de Clínica Infantil da FORP-USP e orientador do estudo. “Entretanto, sabemos que as cicloxigenases e a prostaglandina são fisiológicas para o esmalte dentário, o que nos levou a questionar se esses medicamentos não estariam interferindo no curso da formação normal dessa estrutura.”

    O estudo, que contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), utilizou ratos para estudar o problema, já que os animais possuem incisivos com crescimento contínuo, o que facilita a análise. Durante 28 dias, eles foram tratados com celecoxibe e indometacina.

    Após esse período, praticamente não foram observadas diferenças visíveis a olho nu nos dentes dos animais. No entanto, quando os pesquisadores iniciam as extrações, chamou atenção o fato de que os dentes quebravam com maior facilidade. Análises por método de imagem e de composição química indicaram impacto na mineralização dos dentes, que continham menos cálcio e fosfato, importantes para a formação do esmalte dentário, e sua densidade mineral era menor.

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    O passo seguinte foi investigar os motivos para isso. Os cientistas constataram que proteínas importantes para mineralização e sinalização para diferenciação celular se apresentavam alteradas, indicando que o tratamento com os medicamentos impactava, de alguma forma, a composição do esmalte dentário.

    Próximos passos

    “Neste momento, o estudo nos oferece um norte para entender um novo ator que pode estar envolvido nos defeitos de desenvolvimento do esmalte dentário, já que até então caminhávamos às cegas”, diz Paula-Silva. “Só conseguimos chegar a esses importantes achados graças aos esforços da Clínica do Esmalte Dentário da FORP-USP e de uma colaboração com a professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto Lúcia Helena Faccioli, fundamental para a compreensão do papel dos mediadores lipídicos relacionados a doenças inflamatórias que afetam os dentes.”

    Com base nos resultados observados no modelo animal, os pesquisadores pretendem dar início a um novo estudo para confirmar os achados na clínica. “Vamos resgatar a história das crianças com defeitos e seu uso dos medicamentos e correlacionar, em um estudo clínico, esses dois dados para verificarmos se isso também ocorre em humanos. Assim, poderemos estabelecer o que deve ou não ser consumido e criar, no futuro, um protocolo de tratamento adequado”, explica Paula-Silva, que compara a situação com o caso do antibiótico tetraciclina, não recomendado a crianças por causar manchas e escurecimento dos dentes.

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    De acordo com o professor, outro ponto importante a ser tratado é o acesso e o uso indiscriminado de medicamentos de venda livre, que parece ter se tornado cada vez mais comum como decorrência do aumento do cuidado pediátrico, embora ainda não haja dados concretos sobre o tema.

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