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Antes tabu, a telemedicina é adotada maciçamente

Dezenas de especialidades aderiram ao atendimento a distância depois do isolamento imposto pelo vírus

Por Mariana Rosário Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 out 2020, 11h01 - Publicado em 2 out 2020, 06h00

A afirmação pode parecer otimista demais diante da tragédia da pandemia do novo coronavírus, mas há um fruto inexoravelmente positivo do ponto de vista da medicina. Para além de estudos em torno de remédios antivirais e do desenvolvimento de vacinas em tempo recorde, a saúde se reinventou em 2020 em seu aspecto mais básico: o do contato entre médicos e pacientes, desta vez feito por meio do atendimento a distância. A interação entre as duas partes com smartphones, tablets e computadores foi sempre um tabu — e ele parece estar sendo vencido. Até agora, a relação virtual não podia ser feita de forma direta — apenas com a intermediação de um especialista. Ou seja: profissionais de branco com profissionais de branco se encontravam no mundo dos vídeos, mas os enfermos eram afastados de tal possibilidade, só podiam ver e ser vistos presencialmente. Isso mudou. O aval para a comunicação sem um mediador foi concedido oficialmente no Brasil em março deste ano pelo Ministério da Saúde. A medida deflagrou um movimento inexorável e revolucionário: de lá para cá, segundo dados da startup Conexa Saúde, 1,3 milhão de consultas virtuais foram realizadas nas mais variadas especialidades — e em 80% dos casos não se necessitou de complementos ao vivo. Antes, o recurso era quase inexistente, incipiente.

E a telemedicina se impôs, como uma das facetas do mundo que se inaugura. Telos, em grego, raiz da expressão telemedicina, significa distância. No exercício da pragmática medicina dos Estados Unidos, por exemplo, essa distância nunca foi impeditiva — a consulta virtual já está mais do que estabelecida entre os americanos. Um marco no país ocorreu em 1967, quando o Hospital Geral de Massachusetts foi ligado ao aeroporto da cidade de Boston, com o objetivo de atender qualquer emergência que ocorresse entre embarques e desembarques. No Brasil, onde o olho no olho foi sempre prezado, sobretudo porque as imposições sociais sempre favoreceram uma medicina de ambulatórios, há resistências — estas que começam a ser ultrapassadas, embora a história esteja apenas começando.

Em 2019, deu-se a regulamentação da telemedicina. Houve tanta polêmica, tanto ruído, que o Conselho Federal de Medicina (CFM) recuou e revogou a medida duas semanas depois de sua divulgação. A disseminação do vírus parece ter mudado o rumo da prosa, inapelavelmente. Na quarta-feira 30, VEJA acompanhou um procedimento por telemedicina que reuniu ciência e afeto de forma excepcional, conduzido pelo Hospital Infantil Sabará, em São Paulo: a consulta de Lorenzo, de 1 ano de idade, portador de uma malformação no intestino. Era a primeira avaliação no hospital depois da operação e de um período de internação encerrado há pouco tempo. A delicada consulta foi acompanhada pelos médicos do menino, virtualmente, no Rio de Janeiro. Diz Sidney Klajner, presidente do Albert Einstein: “Não há como discordar de um fato evidente: ampliar o acesso médico é uma forma de absoluto humanismo”.

ROBÔ – Hospital Albert Einstein (SP): Máquina controlada por celular visita pacientes na UTI e leva a imagem do profissional de saúde, a distância – (Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/VEJA)

O Einstein, em São Paulo, aliás, instituição que usa o recurso desde 2012 de forma experimental, é exemplo do que está por vir. Cerca de 25 milhões de reais foram investidos em equipamentos e programas que oferecem segurança e facilidade na conexão. Entre os apetrechos mais espetaculares, há um robô controlado por celular cuja missão é visitar os pacientes nos quartos de UTI. No topo da máquina, numa tela, aparece o rosto do médico, que pode estar a milhares de quilômetros. No conglomerado gigante Dr. Consulta, de 45 clínicas particulares voltadas para as classes C e D, a telemedicina cresceu de tal forma a deflagrar a criação de uma cartilha de boas práticas aos profissionais, com orientações básicas, mas de extrema importância, como se preocupar como o local de trabalho (deve estar sempre claro e organizado), realizar testes de conexão na internet antes das consultas para que o serviço não seja desabilitado de surpresa diante do paciente e ser absolutamente pontual. O alastramento das consultas on-line já começa inclusive a extrapolar as questões ligadas à pandemia. Na rede Prevent Senior, em São Paulo, que lida apenas com pacientes idosos (e, em tese, os que mais deveriam recorrer a problemas com a Covid-19), as queixas ligadas à infecção não chegam mais a 15%. O grupo criou uma sala de 350 metros quadrados para os médicos atenderem apenas virtualmente às mais variadas especialidades. Diz o diretor médico do grupo Pedro Batista Junior: “A agilidade trazida pelas ferramentas digitais é impressionante, o paciente se sente mais à vontade e procura mais rapidamente o atendimento médico”. Na Inglaterra, país com tradição em telemedicina, o impacto já foi comprovado em números. Lá, a rapidez dos serviços de cuidados a distância para idosos com doenças crônicas reduziu em 15% as visitas de emergência e em 20% as admissões hospitalares.

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NÃO É SÓ COVID-19: Prevent Senior: Sala de 350 metros quadrados só para atendimento remoto, em diversas especialidades – (Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/VEJA)

Há, no entanto, uma grande e real barreira a ser vencida no Brasil, e ela é de ordem prática: ampliar o acesso digital no país. De acordo com o último censo da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma em cada cinco residências brasileiras não tem conexão com a internet. Nas áreas rurais, quase metade das casas está fora do universo on-line. Como estabelecer a telemedicina de forma ampla no Norte, por exemplo, se apenas 70% das pessoas estão conectadas à internet? “Oferecer acesso a quem está em áreas onde não há infraestrutura é fundamental. Essas regiões devem ser as mais beneficiadas”, diz Donizetti Giamberardino Filho, vice-presidente do CFM. Por oferecer acesso entende-se o que fizeram, em parceria, o Albert Einstein e os ministérios da Defesa e da Saúde, em julho. Eles implementaram atendimento virtual a pacientes de uma área remota, onde há comunidades indígenas no território do Alto Rio Negro, no Amazonas. O projeto, que levou serviços de neurologia pediátrica, psiquiatria, ginecologia, cardiologia e reumatologia a 44 moradores, foi um experimento para saber se seria possível utilizar internet via satélite nas teleconsultas no local, cercado pela Floresta Amazônica. Funcionou, mas exigiu empenho redobrado. Há obstáculos, sem dúvida, mas parece irreversível ver, num futuro muito próximo, exemplos extraordinários de telemedicina. Hipócrates (460 a.C.-375 a.C.), o pai da medicina, intuiu a necessidade de detalhar as doenças de quem o procurava para chegar ao diagnóstico, com conversas minuciosas e exames clínicos. Continuará desse modo — o que muda, pela primeira vez na história, e talvez definitivamente, são as ferramentas utilizadas.

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Publicado em VEJA de 7 de outubro de 2020, edição nº 2707

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