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A vez dos homens: a promessa de uma pílula anticoncepcional masculina

Avanço científico traz à tona questões que cercam o exercício pleno da sexualidade deles e delas e faz indagar se estamos prontos para uma nova revolução

Por Cilene Pereira Atualizado em 13 jul 2022, 17h46 - Publicado em 14 abr 2022, 06h00

Em 2022, completam-se 65 anos do lançamento da pílula anticoncepcional feminina. Ressalve-se que, em 1957, ela não nasceu com esse apelo. A Enovid, nome que recebeu nos Estados Unidos, era indicada para tratar distúrbios da menstruação. Assim, vago mesmo, para evitar reações raivosas de uma sociedade contrária a novidades que implicassem emancipação da mulher. Lá na bula, entre os efeitos colaterais, estava o que realmente importava: a possibilidade de causar suspensão temporária da fertilidade. Três anos depois, o remédio passou a ser vendido como contraceptivo oral. Dali para a frente mudou a relação da mulher com seu corpo, a maternidade e o sexo. Seria possível exercer a sexualidade sem se preocupar com o risco de gravidez indesejada.

arte pílula homem

O que foi festejado como uma libertação — e realmente assim deve ser entendido — ao longo dos anos transformou-se também em fardo. As pílulas causam uma extensa lista de efeitos impróprios, que vão de náuseas e dor de cabeça à depressão e coágulos em mulheres com predisposição. Tudo isso, claro, considerando as histórias individuais de saúde. As versões atuais, em comparação às antigas, apresentam riscos menores, mas o fato é que eles continuam presentes. Esse aspecto, somado às demandas femininas por igualdade de gênero que se fortaleceram nas últimas décadas, tornou inevitável a pergunta que não quer calar: por que não oferecer também aos homens uma pílula, dividindo com eles a responsabilidade pela contracepção por meio de métodos além da camisinha e da vasectomia?

A ciência faz seu trabalho nesse sentido e, recentemente, apresentou uma das opções mais promissoras em anos de pesquisa. Trata-se do composto denominado YCT529, desenvolvido na Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos. Nos testes em cobaias, a substância foi ministrada por via oral durante quatro semanas, demonstrando 99% de eficácia na prevenção de gestação. Depois de quatro a seis semanas sem receberem o composto, os camundongos recuperaram a fertilidade. Os responsáveis pelo estudo planejam iniciar os testes em seres humanos no próximo semestre.

PODER - Viagra: as cápsulas contra impotência devolveram autoestima a eles na cama -
PODER - Viagra: as cápsulas contra impotência devolveram autoestima a eles na cama – (Douglas Sacha/Moment/Getty Images)

O mecanismo de ação é relativamente simples. Em homens férteis, a ejaculação contém em média 15 milhões de espermatozoides por mililitro. Reduzir a quantidade a 1 milhão por mililitro seria suficiente para impedir a fecundação do óvulo pelo gameta masculino. A droga americana diminuiu drasticamente a concentração de células reprodutivas masculinas. Fez isso sem utilizar testosterona, o hormônio responsável por características másculas que, em altas quantidades, suprime a produção do gameta. Faz toda a diferença. Intervenções hormonais resultam em efeitos prejudiciais como ganho de peso, depressão e aumento do LDL, o colesterol que entope as artérias. “Procuramos uma saída que não provocasse tudo isso”, disse a VEJA Abdullah Al Noman, pesquisador que conduz o experimento sob a supervisão de Gunda Georg, uma das maiores estudiosas da área. Os animais não manifestaram nenhum efeito adverso.

O anúncio da universidade trouxe de volta as questões que cercam o assunto historicamente, envolto em preconceito de gênero. É culturalmente aceitável, embora misógino, que elas sofram impactos, tanto do ponto de vista psicológico quanto biológico. Afinal, sob o prisma convencional, evitar a gravidez é um ganho que supera perdas. Já eles nada têm a faturar ao tomar uma medicação contraceptiva que provoca efeitos colaterais. Só a perder. Foi com base nessa lógica que alguns trabalhos com resultados interessantes de contracepção masculina acabaram interrompidos. Um deles era conduzido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com 320 homens acompanhados entre 2008 e 2012. A droga em teste associava testosterona com a progesterona, hormônio feminino. Quase todos os participantes (96%) atingiram a redução de espermatozoides desejada, mas o registro de eventos como mudança de humor e dor associada à injeção levou à suspensão do experimento. Parcela dos cientistas defende uma tese de mãos dadas com os humores do nosso tempo: a análise do risco masculino não pode ser considerada apenas sob o viés biológico. O melhor caminho deveria ser o de compartilhamento de risco entre homens e mulheres, uma vez que a responsabilidade pela contracepção é dos dois.

LIBERDADE - Queima de sutiãs: a luta por igualdade de gênero cresceu após chegada da pílula feminina, em 1960 -
LIBERDADE - Queima de sutiãs: a luta por igualdade de gênero cresceu após chegada da pílula feminina, em 1960 – (Duke University/.)

Contudo, há um muro ainda muito alto, quase intransponível. Vencê-lo significa entender que a gravidez não pode ser uma tarefa exclusivamente feminina, mas de um casal, de um par, de uma dupla. Transformar esse pensamento levará tempo. Mas, a crer nos novos ventos soprados por pesquisas recentes, a mudança talvez seja mais rápida do que se imagina. Levantamento publicado na revista da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva mostrou que 92% dos entrevistados (132 homens e 165 mulheres) consideravam a anticoncepção tarefa de ambos e 81% dos participantes masculinos disseram que tomariam uma pílula. “A maioria dos homens sabe dos efeitos que pesam sobre elas e gostaria de ajudar”, disse a VEJA Bethan Swift, pesquisadora de saúde reprodutiva feminina da Universidade de Oxford, na Inglaterra. “E muitos desejam ter o controle e saber que a relação sexual não acabará em gestação indesejada.”

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arte pílula homem

Os homens experimentaram sensação semelhante em 1998 com a chegada do Viagra, a primeira droga contra a disfunção erétil. A pílula azul devolveu aos machos poder e autoestima, dando início a uma revolução que mudou as relações na cama. É bem animador saber que, agora, eles começam a entender que se houver um custo a pagar, para que o prazer seja de dois e não de um, que seja dividido. Só haverá conquistas, e não apenas no sexo. “A prevenção da gravidez pelas mulheres traz a elas benefícios profissionais, financeiros e educacionais”, disse a VEJA Kevin Shane, diretor da Male Contraception Initiative, ONG que patrocina iniciativas na área da anticoncepção masculina. “Com opções para os homens, os proveitos serão de todos”, diz. Certamente. Essa é uma das belezas da igualdade.

Publicado em VEJA de 20 de abril de 2022, edição nº 2785

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