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A telemedicina é vital

A legislação vigente do Conselho Federal de Medicina brasileiro é antiga demais, de 2002. A sociedade mundialmente conectada exige novas regras

Por Sidney Klajner*
Atualizado em 12 ago 2019, 11h13 - Publicado em 9 ago 2019, 07h00

Mudanças provocam resistência. A história está repleta de exemplos de períodos marcados por transformações relevantes, porém acompanhadas de movimentos contrários conduzidos em geral por aqueles que têm medo do novo ou não querem enxergar que o espírito do tempo mudou. A saúde brasileira atravessa um desses momentos. Desde fevereiro a telemedicina — recurso que permite a prática do cuidado à saúde a distância — é alvo de uma intensa controvérsia. De um lado estão aqueles que defendem sua utilização para melhorar a assistência médica em todo o país. Do outro, colocam-se os que se recusam a enxergar que a tecnologia é um fato incontornável. Eles não percebem nem aceitam que se trata de um passo irreversível na escalada de evolução da medicina mundial.

Por isso, o que vemos é um enorme descompasso entre a legislação vigente e a realidade. O Brasil dispõe de regras estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2002 — há dezessete anos, portanto —, que proíbem a utilização da telemedicina na plenitude. Naquele ano, não havia smartphone nem Skype, e nem chegávamos perto da qualidade de transmissão de informações de que dispomos hoje. Também não existia uma sociedade conectada e ansiosa por soluções tecnológicas que facilitassem a vida e permitissem desfrutar o que houvesse de melhor. A sustentabilidade financeira do sistema de saúde não era tão frágil quanto hoje e ainda não se tinha de forma tão clara que investir na prevenção é muito mais vantajoso para os indivíduos, gestores de saúde e estados.

A regulamentação vigente do CFM sobre a telemedicina permite apenas a realização de videoconferências durante procedimentos para que o médico obtenha a opinião de colegas, em ação executada sempre na presença de um médico ao lado do paciente. Trata-se de uma determinação ultrapassada pela evolução da ciência e da sociedade. O Zeitgeist mudou, mas o conselho e outras entidades representativas da classe médica brasileira não perceberam.

Teletriagens, teleconsultas e diagnósticos feitos a distância são realidade em Israel, nos Estados Unidos e em diversos países europeus e asiáticos. Na Inglaterra, por exemplo, que dispõe de uma rede pública de atendimento que serviu de inspiração para a criação do nosso Sistema Único de Saúde, há programas de telessaúde para reabilitação cardíaca e ortopédica e aconselhamento para atividades físicas e dietas, além de consultas virtuais. No Brasil, o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, usa a telemedicina desde 2012 e, até hoje, só coleciona bons resultados. Em primeiro lugar, ao proporcionarmos consultas a distância para casos mais simples, protegemos os pacientes da exposição a riscos desnecessários. Isso porque as pessoas podem ser diagnosticadas e orientadas sem precisar ir ao pronto atendimento, onde ficariam vulneráveis a infecções por vírus ou bactérias responsáveis por doenças mais graves. Também se evita que o paciente seja submetido a exames dispensáveis, alguns deles invasivos, poupando-o do sofrimento e do risco.

A inclusão da tecnologia nos sistemas de saúde reduz o tempo de espera nos serviços de urgência

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Todas as experiências internacionais já provaram que a inclusão do recurso nos sistemas de saúde reduz o tempo de espera nos serviços de urgência. Afinal, só segue para os postos quem realmente necessita de cuidado mais intenso. Dessa forma, prontos atendimentos e hospitais podem cumprir sua função primordial: atender casos mais complicados e complexos. Ninguém precisa ir a um hospital para tratar uma gripe sem complicações ou uma cólica abdominal sem causas nem repercussões mais sérias. E por meio de uma consulta benfeita, mesmo que de longe, o médico é capaz de definir quem tem de ir a um centro hospitalar ou simplesmente dirigir-se à farmácia mais próxima para comprar um medicamento ali disponível. Neonatologistas, intensivistas e dermatologistas, entre outros especialistas, oferecem a modalidade como forma de atendimento ou consultoria especializada.

A telemedicina também cria pontes. Em nossa experiência no Hospital Israelita Albert Einstein, conseguimos levar conhecimento e ensinar práticas a profissionais alocados em serviços de saúde de todo o território nacional. Sem o uso da tecnologia, eles certamente demorariam muito mais para ter acesso às novidades. Em um país com as dimensões do Brasil, dispor de redes capazes de transmitir informações e práticas a todos os pontos do país é vital. A tecnologia está ajudando, inclusive, trabalhadores que se encontram em plataformas de petróleo em alto-mar. Sem a possibilidade de uso do recurso, eles não teriam outra forma de receber assistência a não ser desembarcando em terra firme.

O saldo desses sete anos em que utilizamos a telemedicina como instrumento para diagnóstico e tratamento é totalmente positivo: salvamos vidas, difundimos conhecimento e reduzimos custos ao evitar desperdícios. E fazemos isso sem ferir o Código de Ética Médica e assegurando a liberdade do exercício profissional pelo médico de acordo com sua conveniência.

Portanto, qual a razão para que a telemedicina seja proibida pelo Conselho Federal de Medicina? Em fevereiro, a própria entidade reconheceu o valor da inovação e regulamentou a prática. Dias depois, voltou atrás na decisão devido à pressão de entidades médicas e dos conselhos regionais. Eles dizem temer que a tecnologia afaste o paciente do médico, o que fragilizaria a relação entre os dois lados. Isso não é verdade. O cotidiano demonstra exatamente o contrário. Quando seu médico o atende pelo WhatsApp ou responde a uma dúvida por e-mail, a relação fica mais fraca ou mais forte? Uma pesquisa realizada entre usuários de um projeto piloto digital implantado em uma rede de pronto atendimento da rede suplementar em São Paulo deixa a resposta muito clara. Segundo o levantamento, 90% dos clientes sentiram confiança na conduta médica e 72% afirmaram que suas queixas haviam sido completamente atendidas.

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Também é um equívoco afirmar que a telemedicina vai substituir o médico. Como isso pode acontecer se, do outro lado da câmera, é ele, o médico, quem estará obtendo informações para identificar o diagnóstico e prescrever o tratamento? Substituído será o profissional que continuar se recusando a enxergar o novo mundo em que vivemos.

Após o recuo, o CFM decidiu abrir um ciclo de consultas públicas para debater o tema. Em julho, no entanto, a entidade e a Associação Médica Brasileira anunciaram que pretendem punir as organizações que usarem a telemedicina, já que a prática feriria a legislação — mesmo que exista respaldo da própria Constituição. Instituições de atendimento remoto internacionais se preparam para oferecer seus serviços de telemedicina aos brasileiros diretamente de seu país de origem. Portanto, imunes à regulação aqui vigente. Não há nenhum argumento razoável que sustente a proibição do uso da telemedicina. Há, sim, que existir regulamentação que garanta a qualidade, o entendimento dos limites desse serviço e a capacitação dos profissionais. Tampouco há alegação plausível que derrube nossa crença no poder da telemedicina para melhorar o sistema de saúde. O Hospital Israelita Albert Einstein tem em sua história a marca do pioneirismo visando ao aperfeiçoamento do cuidado com o ser humano. Foi precursor na implantação da telemedicina no Brasil. Seguiremos sendo os líderes na defesa de sua utilização em benefício de toda a população brasileira.

* Sidney Klajner é presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein

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Publicado em VEJA de 14 de agosto de 2019, edição nº 2647

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