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O uso da cloroquina na Covid-19: VEJA esclarece as dúvidas sobre o remédio

A polêmica e as controvérsias envolvendo o uso da cloroquina contra a Covid-19 geram incertezas e dúvidas. Veja o que a ciência sabe até agora sobre

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 abr 2020, 16h53 - Publicado em 10 abr 2020, 16h29
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  • Enquanto os especialistas em saúde do mundo todo correm para encontrar tratamentos – e eventualmente uma cura – para o novo coronavírus, dois remédios ganharam popularidade: a cloroquina e a hidroxicloroquina. A comoção começou quando o presidente dos Estados Unidos Donald Trump considerou as drogas “os agentes de mudança de jogo” e enalteceu a pressa de adquirir esses produtos farmacêuticos e liberar para uso em todos com pacientes com Covid-19, doença causada pelo vírus.

    Logo em seguida, o presidente Jair Bolsonaro seguiu a recomendação de Trump e deu início a um embate com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que defende esperar a publicação de estudos clínicos confiáveis antes de liberar o uso do medicamento para todos os pacientes infectados pelo novo coronavírus. Como já era de se esperar, toda essa discussão gerou ainda mais dúvidas na população. Afinal, funciona ou não funciona? Por que não pode usar? VEJA compilou as principais e explica cada uma delas abaixo.

    A cloroquina cura o coronavírus? Ainda não se sabe. Especialistas acreditam que, mesmo que estudos clínicos mostrem que a cloroquina ou a hidroxicloroquina tem eficácia no tratamento da Covid-19, dificilmente ela será a cura ou o único tratamento existente, devido aos riscos associados.

    A cloroquina surte efeito contra o coronavírus? Estudos in vitro, ou seja, realizados em células humanas em laboratório, indicam que sim. “Os estudos em laboratório indicam que o medicamento age em dois caminhos avaliados para combater o vírus: tem um efeito antiviral e anti-inflamatório. Além de inibir a replicação do vírus e sua entrada na célula, a cloroquina parece ter uma ação anti-inflamatória. Isso é importante porque, para se defender do vírus, o organismo reage com inflamação. Mas se essa resposta é muito intensa, a manifestação clínica é muito grave. Ao agir nesses dois caminhos, a cloroquina poderia reduzir a gravidade da doença. Do ponto de vista experimental, faz sentido. Mas tem muito remédio que funciona no laboratório, mas não no paciente. Por isso é preciso esperar o resultado de estudos clínicos rigorosos.”, explica a cardiologista e intensivista Ludhmila Hajjar, coordenadora de ciência, tecnologia e inovação da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

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    Se tem efeito em laboratório, por que poderia não funcionar quando administrado em pessoas? “Estudos in vitro não podem imitar perfeitamente as condições dos nossos corpos. Por exemplo, alguns medicamentos não são bem absorvidos pelo intestino e, portanto, podem não ter o mesmo efeito no corpo que é visto in vitro. Além disso, estudos in vitro não podem nos fornecer informações sobre possíveis efeitos colaterais; portanto, esses estudos não podem nos dizer o quão seguros esses medicamentos devem ser usados ​​em pacientes com Covid-19.”, explica Kome Gbinigie, pesquisadora da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e autora de uma revisão sobre testes com cloroquina para o tratamento de Covid-19.

    Mas a pesquisa feita na França não mostrou que funciona? O teste clínico realizado na França e enaltecido pelo presidente dos Estados Unidos Donald Trump mostrando que a cloroquina “curou” o coronavírus tem graves falhas metodológicas. “Ao ler o estudo, a gente fica chocado. O grupo comparativo, que é o grande balizador, era de outra instituição. Além disso, a idade dos integrantes dos dois grupos [quem recebeu o remédio e quem não] era diferente. Os pesquisadores sabiam quais pacientes estavam tomando o remédio. Isso gera viés. Além disso, o grupo da cloroquina evoluiu pior. Tiveram algumas mortes que não são citadas nos resultados.”, diz Ludhmila Hajjar. Além disso, da mesma maneira que alguns testes clínicos, como o feito na França e outro realizado na China, mostram que funciona, outros estudos, realizados nesses mesmos países, apresentaram resultados opostos e indicam que a cloroquina não funciona. “Os ensaios clínicos relataram dados empíricos sobre a eficácia da hidroxicloroquina. Precisamos de mais ensaios clínicos randomizados de alta qualidade, para que possamos combinar seus resultados e determinar se há um sinal positivo ou negativo [no uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina] contra o coronavírus”, explica a pesquisadora Kome Gbinigie.

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    Qual é o problema das falhas metodológicas no estudo francês e como é o estudo ideal? O estudo clínico ideal, chamado padrão-ouro, é o estudo randomizado controlado duplo-cego. Isso significa que o estudo é projetado para reduzir vieses que poderiam comprometer seus resultados. Nesse tipo de estudo, nem o médico nem os pacientes sabem se receberam o medicamento ou o placebo (duplo cego). Essa característica reduz a possibilidade de o médico tratar os dois grupos de maneira diferente e também reduz a possibilidade de feito placebo no paciente. Além disso, nesse tipo de estudo os pesquisadores não conseguem escolher quais pacientes entram em qual grupo. Eles são selecionados de forma aleatória (“randomizados”) e a composição dos dois grupos é aproximadamente equivalente (“controlada”). Aprovar um medicamento sem fazer esse tipo de estudo primeiro pode ter consequências graves.

    Quais são essas consequências? Um exemplo emblemático dos riscos de se aprovar um medicamento sem a realização de estudos rigorosos, que sigam o padrão explicado acima, é a talidomida. Hoje o medicamento é utilizado no Brasil para tratar hanseníase. Mas na década de 1950 seu uso foi aprovado na Europa para insônia. Na época, o medicamento foi considerado extremamente seguro, inclusive para ser usado por mulheres grávidas. Com o passar do tempo, notou-se que ele também era capaz de reduzir os terríveis enjoos matinais durante a gravidez e ele começou cada vez mais a ser prescrito para grávidas. Anos depois descobriu-se que a talidomida causava deformações físicas em bebês, além de outros graves efeitos colaterais. O medicamento foi proibido em muitos países, mas o estrago já estava feito e milhares de crianças foram afetadas por essas deformidades.

    Mas a cloroquina já é usada em humanos. Isso não significa que ela é segura e eficaz? “Embora a cloroquina e a hidroxicloroquina sejam geralmente consideradas drogas seguras para suas indicações aprovadas pelo FDA (como tratamento da malária e profilaxia), ainda não temos evidências robustas da segurança e eficácia dessas drogas no contexto da Covid-19. Portanto, existe o risco de que esses medicamentos não sejam eficazes para a Covid-19 e têm um risco adicional de causar danos às pessoas que os tomam”, explica a pesquisadora da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Resultados preliminares de um estudo conduzido pela Fiocruz no Brasil mostraram que o uso de uma dosagem alta de cloroquina em pacientes com quadros graves de Covid-19 é tóxico, aumentando o risco de arritmia cardíaca e morte. Essa dosagem não será mais indicada para uso. Mas mostra a importância da realização de testes antes de liberar o uso em larga escala.

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    A Covid-19 não tem cura e causa a morte de milhares de pessoas. Neste caso, um medicamento que mostra algum efeito não é melhor que nenhum? Não necessariamente. Como o medicamento não é isento de efeitos colaterais, existe o risco de seu uso trazer mais riscos do que benefícios.

    Então por que seu uso foi liberado em pacientes internados, mas não em casos leves? “Quando existe uma terapia que não sabemos se funciona, a gente tende a não prescrevê-la aos pacientes. Mas quando o paciente está muito grave e sabemos que é uma doença com mortalidade alta e sem tratamento, como a Covid-19, você arrisca. É o chamado uso compassivo, que foi aprovado pela FDA.”, explica a cardiologista Ludhmila Hajjar. É uma situação completamente diferente usar em um paciente leve, que tem uma grande chance de se recuperar sem nenhuma intervenção. Vale lembrar que a maioria dos pacientes infectados se cura naturalmente da doença, sem necessidade de tratamento e sem maiores complicações. “Essa droga não é isenta de efeitos colaterais, principalmente para pacientes cardíacos, por isso é preciso cautela antes de prescreve-la para pacientes que podem evoluir bem”, ressalta a médica. Estudos em pacientes com sintomas leves e até mesmo estudos para testar a eficácia da cloroquina na prevenção do coronavírus já estão em andamento. Mas é preciso paciência e esperar os resultados.

    Quais são os efeitos colaterais da cloroquina e da hidroxicloroquina? Os efeitos colaterais desses medicamentos incluem danos irreversíveis na retina, arritmias cardíacas, fraqueza muscular, queda acentuada no açúcar no sangue, problemas renais e hepáticos, insônia, pesadelos, alucinações e ideação suicida. O medicamento também pode ter interações prejudiciais com remédios usados ​​para tratar diabetes, epilepsia e problemas cardíacos. Vale ressaltar que esses efeitos colaterais são um grande motivo pelo qual a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda mais a hidroxicloroquina como tratamento de rotina para a malária.

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    Qual é a indicação do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no Brasil? O Ministério da Saúde orienta o uso do medicamento apenas diante de casos graves, ou seja, pacientes hospitalizados com pneumonia viral, mediante orientação médica e em conjunto com acompanhamento cardíaco do paciente. Recentemente, a pasta publicou as Diretrizes para diagnóstico e tratamento da Covid-19. O documento especifica a dose e duração do tratamento.

    O tratamento já está disponível no SUS? No final de março o Ministério da Saúde começou a distribuir aos estados 3,4 milhões de unidades dos medicamentos cloroquina para uso em pacientes com formas graves da Covid-19.

    E se meu médico quiser prescrever cloroquina ou hidroxicloroquina? Os médicos podem redirecionar o uso de um medicamento que foi liberado para tratar outras doenças, como a hidroxicloroquina, prescrevendo-o para uso off label, em casos individuais. Neste caso, fica a critério do profissional de saúde se responsabilizar pelos pacientes e possíveis riscos envolvidos no uso da medicação. “Como médica eu tenho direito de prescrever o tratamento que eu julgar necessário para o meu paciente. Mas no caso da cloroquina, por exemplo, eu não posso dizer ao paciente que existem evidências científicas para isso. É preciso deixar isso claro. Não posso vender como o salvador de uma pandemia. Além disso, sabemos que inibir a transmissão é a única forma de controlar essa doença e isso o medicamento não faz.”, diz Ludhmila.

    A cloroquina é considerada o tratamento mais promissor contra o novo coronavírus? Não. O remdesivir, um medicamento desenvolvido para o tratamento de ebola – e que falhou contra a doença – é considerado o tratamento mais promissor por especialistas. Inclusive, antes de toda a polêmica envolvendo o Trump, França, Bolsonaro e outros líderes de estado, as pessoas procuraram mais o termo “remdesivir” do que “hidroxicloroquina”, de acordo com tendências do Google. A cloroquina era uma hipótese secundária de tratamento que nem estava incluída no estudo Solidariedade, da OMS. Só após toda a repercussão do medicamento, a entidade decidiu inclui-lo nos estudos globais. Sem esquecer que esses não são os únicos tratamentos sendo estudados, há o favipiravir, o lopinavir + ritonavir, a transfusão de plasma de pacientes curados,  corticoides, interferon, entre outros.

    Se sua eficácia ainda não está comprovada por que falam tanto de cloroquina e tanta gente defende o uso? Além de possuir um “mecanismo plausível” para combater o coronavírus, a hidroxicloroquina e a cloroquina são uma perspectiva atraente. Esses medicamentos já foram testados em seres humanos, estão aprovados e disponíveis em larga escala e em baixo custo. Além disso, médicos em vários países, incluindo Estados Unidos, França, China, Coréia do Sul e Brasil, relataram sucesso no tratamento de pacientes Covid-19 com hidroxicloroquina, às vezes em associação com o antibiótico azitromicina. Mas essas são histórias são apenas anedóticas e não oferecem muitas informações sobre a eficácia do medicamento em uma população mais ampla. Além disso, diante do medo e da incerteza, as pessoas querem soluções rápidas. “Não tem milagre nem segredo. Nunca teve.”, diz o infectologista David Urbaez, do Laboratório Exame, que integra a Dasa.

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    Qual é a diferença entre a cloroquina e a hidroxicloroquina? A cloroquina sintética foi desenvolvida em 1934 para o tratamento da malária. A hidroxicloroquina é um medicamento derivado da cloroquina, o que significa que os dois têm estruturas semelhantes, mas é menos tóxico.

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