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Viver foi uma grande coisa

Para Carlos Heitor Cony, a crônica era um veículo para a indignação - e a literatura, para o espanto

Por Jerônimo Teixeira Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 17h39 - Publicado em 12 jan 2018, 06h00
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  • Carlos Heitor Cony abandonou a ficção depois de seu nono romance, Pilatos, lançado em 1974. “Nada mais teria a dizer — se é que cheguei a dizer alguma coisa”, escreveria, em 1995, no prefácio do décimo (quase) romance, seu título de maior sucesso, Quase Memória. O longo hiato foi preenchido pelo jornalismo, pela crônica e até por eventuais colaborações em telenovelas da Rede Manchete. Em todas essas atividades, foi um cultor da palavra, da frase de elegância ao mesmo tempo torneada e simples. Morto na sexta-feira 5, no Rio de Janeiro, de falência de múltiplos órgãos, Cony será lembrado como o cronista que ousadamente atacou a ditadura militar nos primeiros dias do golpe de 1964, como um romancista fundamental dos anos 60, como um defensor de especulações históricas duvidosas sobre o suicídio de Getúlio Vargas e a vida amorosa de Machado de Assis. E, sobretudo, como o autor do tardio Quase Memória, uma incursão delicada pelo território indeciso entre os fatos biográficos e a imaginação ficcional. O personagem central, ao mesmo tempo cativante e exasperante em suas extravagâncias e bravatas, é seu pai, Ernesto Cony Filho — um “jornalista obscuro”, como o próprio escritor o definiria no discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, em 2000. “Nunca fez coisas grandes, mas acreditava que viver era uma grande coisa”, disse.

    Carioca do subúrbio, Cony teve sua formação intelectual no seminário (experiência que retrataria no romance Informação ao Crucificado), mas não se sagrou padre. Estreou na literatura com O Ventre, em 1958, e não demonstrou, nesses primeiros romances de forte carga existencial, interesse pela política. Mais tarde, diria até que seu editor na Civilização Brasileira, o comunista Ênio Silveira, fora criticado por publicar livros de um autor “alienado”. Logo depois do golpe militar de 1964, porém, Cony atacou, em crônicas no Correio da Manhã, a “quartelada” que se proclamava como uma “revolução” (só se fosse uma “revolução de caranguejos”, que andam para trás, definiu lapidarmente o cronista). Por causa dessa oposição de primeira hora, responderia a processos e seria várias vezes preso pela ditadura. Nos anos 70, porém, quando trabalhou nos veículos governistas do empresário Adolpho Bloch, passou a ser visto com desconfiança pelos oposicionistas. Desde os anos 90, era cronista do jornal Folha de S.Paulo. Em entrevista à revista Cult, Cony disse que a crônica era um veículo para a indignação — e a literatura, para o espanto. Um espanto que leitores de seus dezessete romances vão sempre admirar.

    Publicado em VEJA de 17 de janeiro de 2018, edição nº 2565

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