O rosto acinzentado passa a impressão de que ela está morta. Mas o que a foto acima mostra é uma menina recebendo um beijo do irmão enquanto espera para ser atendida na sala de radiografia de um hospital em Ghuta Oriental, região da Síria que enfrenta pesados bombardeios do governo desde meados de fevereiro. Sua face está coberta pela poeira dos escombros — os 400 000 civis que vivem em Ghuta costumam se esconder em porões durante os ataques. Para muitos, o abrigo se transforma em túmulo. Estima-se que 700 já tenham morrido desde o início da ofensiva das forças do ditador Bashar Assad com apoio russo contra este que é o último bastião de rebeldes — na realidade, radicais islâmicos ligados à Al Qaeda — nos arredores de Damasco. Entre as vítimas há, claro, muitas crianças. Mais de 1 000 já morreram em todo o país do começo do ano para cá. O Unicef diz que 5,3 milhões de crianças sírias precisam de ajuda humanitária. No domingo 4, a Casa Branca condenou os bombardeios em Ghuta, mas o gesto é mais uma rotina burocrática do que uma censura de verdade: durante a batalha de Mossul, no Iraque, em 2017, então sob domínio do Estado Islâmico, os bombardeios americanos mataram mais de 1 500 civis — entre eles crianças. Um dos ataques destruiu a casa de Badawiya, de 15 anos, e Abed, de 6. Os socorristas os encontraram mortos: a adolescente protegia o irmão com um abraço. Enrijecidos, foi impossível separá-los; foram enterrados juntos. A tragédia do mundo atual é que a luta contra terroristas é usada para justificar a matança de crianças. Por todos os lados.
Publicado em VEJA de 14 de março de 2018, edição nº 2573